Plurale completou 6 anos e eu me lembrei do texto que escrevi o ano passado. Compartilho.
Comunicação
e seu papel estratégico para transformação.
Cinco anos
de Plurale! Cinco anos de comprometimento com uma comunicação que dê
significado e significância ao que precisamos fazer: transformar nosso mundo. A comunicação tem uma importância fundamental
para nos equipar a fazer diferente, em todos nossos ambientes. Como podemos
fazer isso sem ter informação? Sem saber que estamos perigosamente atingindo os
limites de nosso planeta?
Esse mês passado, por duas ocasiões, refleti
sobre o tema: A comunicação pode mudar o mundo? A primeira foi com os
estudantes de comunicação da UNISC em Santa Cruz do Sul, estado do Rio Grande
do Sul. Escolheram esse tema para a
Semana de Comunicação. Voei para lá, porque só a escolha do tema é uma prova de
que essa nova geração de comunicadores anda pensando diferente. A outra
oportunidade foi no NEF – Núcleo de Estudos do Futuro – da PUC São Paulo. Lá
estavam reunidos aqueles que estão comprometidos com o futuro da
humanidade.
Duas
oportunidades para refletir sobre nosso papel como comunicador. Em homenagem à
Plurale desenvolvo o roteiro dessas conversas. Comecei dividindo com esses
públicos, tão diversos, que a comunicação sempre mudou o mundo, desde quando
ela era apenas lida, num pergaminho, nas praças dos embriões das cidades
medievais, pelos enviados dos poderosos. Mas não fui para tão longe na linha da
história, preferi refletir sobre o que vivi, nas décadas em que fui
publicitária, vendo o mundo mudar, para o que temos certeza que tem que mudar
hoje. A década de 60 começou a trazer as diferenças. Mulheres, negros, homossexuais.
Na mini série Gabriela podemos ouvir um homem falar para sua mulher: se arrume
que hoje eu vou lhe usar! Ou na novela das 18hs observar a perseguição ao negro
recém liberto e que mantêm nosso sutil racismo até hoje.
Comecei a trabalhar em publicidade na década de 70. Do lado da minha casa
ainda havia quitanda, açougue e padaria. Nesse comércio girava a economia do
bairro. Éramos chamados pelo nome e tínhamos uma caderneta que anotava o que
gastávamos. Já tínhamos shoppings, mas iniciantes. Lugares meio estranhos. Nasciam
os supermercados e me lembro do meu espanto lendo o primeiro manual da
Johnson& Johnson ou Unilever, não me lembro bem, sobre merchandising nos
supermercados. Percebi que nada, mas nada mesmo, era feito sem reflexão
estratégica para nos tornar consumidores. Começaram a nascer ali os
consumidores que conhecemos hoje, que agem como autômatos comprando e
comprando.
O Brasil dava primeiros passos para sair da ditadura que infernizou a
juventude de minha geração. Para os jovens fica difícil imaginar o tipo de
juventude que tivemos, sem internet, mas pior, sem poder comprar livros,
assistir determinados filmes e preocupados em cuidar dos encontros com amigos
porque podiam ser interpretados como subversivos. O governo militar fazia sua primeira
estratégia de comunicação, apelando para nosso orgulho de ser brasileiro,
inventando um milagre econômico e convocando: Pra frente Brasil! Ame-o ou
deixe-o. O Brasil ganhou pela terceira vez a Copa do
Mundo confirmando nossos milagres econômicos. Os porões da ditadura tinham
minutos de paz nas torturas, para comemorar os gols desse Brasil grande!
A indústria se expandia, a
publicidade se profissionalizava com metodologias e processos trazido pelas
multinacionais. Aprendia-se a fazer planejamento de comunicação, muita pesquisa
e a medir, pela primeira vez, a audiência dos programas de televisão – o GRI.
Tudo voltado para criarmos um mercado de consumo interno, uma classe média. Os publicitários,
odiando a censura que invadia os meios de comunicação, lançaram o CONAR. Liberdade
à publicidade! Muitos mercados a construir! Mercado para os descartáveis, tipo
Perfex que as brasileiras não entendiam: se camisas velhas e pedaços de toalha conseguem
ser tão úteis, para que comprar um paninho furadinho? Mas o mundo “do jogar
fora” começou sua trajetória, mudando nossos hábitos. Fui para Brasília, com
meu chefe, pedir autorização para veicular o primeiro comercial de Modess, só
existia ele no Brasil. Autorizaram a veiculação, contanto que a moça usasse
calça comprida vermelha. Nunca entendi porque não podia ser branca, mas a
censura sempre tinha razões que a razão desconhecia.
Modernização da agricultura. Supermercados. Shopping Centers. Marketing. Consumo e crescimento da economia.
A grande massa subiu um degrau na escala
e uma minoria subiu vários degraus. O nordeste já era seco e cheio de fome! Formou-se
uma classe média com possibilidades de financiar educação para seus filhos e
gerar demanda significativa de produtos e serviços. Veio a anistia, depois de
muito terror, e a abertura lenta e gradual. Assim chegamos aos anos 80 que
revelaram a grande farsa. O milagre virou pesadelo e os Danones e gelatinas
prontas estragavam nas gôndolas do supermercado. Os dados Nielsen da época anunciavam queda no consumo de macarrão! Acentuou-se a corrupção. Sindicatos se
organizaram em greves e manifestações. A
economia não conseguiu apresentar índices de crescimento. A classe média foi à
principal vítima. Perdeu o poder de compra. Tirou o filho da escola particular
e não sonhou mais com o segundo carro. Só muito mais recentemente o IPI
reduzido multiplicou o sonho do carro.
A propaganda e o marketing viveram anos de muita agitação oscilando entre
grande pessimismo e euforia intensa. A
figura da mulher ganhava força nos anúncios e muitas vezes com apelos eróticos,
como símbolo do feminismo, foram mudando os padrões de comportamento social.
Tudo isso fica mais evidente olhando os anúncios da época. Você pode entrar no
Google e fazer esse exercício de reflexão pelas décadas. Vai sentir que foi com
a comunicação que se mudou o mundo. As empresas desenvolvem produtos e
serviços, mas é a comunicação, no seu mais amplo aproveitamento, que cria
mercados. Essa década foi chamada por alguns de década perdida, mas na prática
ela lançou as bases da sociedade de consumo que somos hoje. Trouxe os novos
comportamentos sociais também e até a gravidez na adolescência.
A década de 90 chega com esperanças. A ditadura estava longe e podíamos
imaginar um novo mundo. Cai o muro de Berlim. Foi a primeira vez depois de 47
anos que os brasileiros puderam votar num presidente. Elegemos Collor e nos
unimos para tirá-lo do poder. Aconteceu a ECO 92, Conferência mundial do
meio-ambiente no Rio de Janeiro. Começou aí tudo que se desdobrou em
comportamentos de compra diferentes: o natural, menos carne, a roupa indiana
virando moda para elite, o começo da consciência de maior número de pessoas de
que o planeta poderia ter limite. As ONGs alemãs traziam o conceito dos
“verdes”. Palavras novas surgiram como ecossistema, biodiversidade.
O sociólogo Betinho mobilizou toda a nação com a sua “Ação da Cidadania
contra a miséria e pela vida”. Havia fome no Brasil, não adiantava a elite
fingir não enxergar. Como crescer o país com tanta desigualdade?
Maior consciência ecológica foi o ganho da década. Cresceu o trabalho de
ONGS para proteção do meio-ambiente, reciclagem de materiais, além da
preocupação com a exclusão. Surge uma segunda geração de ONGs no Brasil e aos
poucos o conceito de empresas cidadãs. A
comunicação foi mudando consciências. A sociedade foi ficando mais tolerante
para opções de conduta pessoal, prática de sexo, namoro e casamentos. Vida
cultural se ampliou, os filmes e livros chegavam. A abertura de mercado, do
livre trânsito de idéias e produtos culturais e começou a estonteante rapidez
dos meios de comunicação.
A chegada dos anos 2000 era uma esperança, uma nova era. Nos negócios a
nova era tinha muita pressa. Muitas demissões, privatizações já haviam
acontecido na última metade dos anos 90. O Computador nos invadiu para bem e
para o mal. Gestão ganhou força nas empresas e responsabilidade social virou
obrigação, bem como mais tarde chegou a hora de incorporar sustentabilidade.
Todas as novidades, que ganham força no tecido social, passam a ser
incorporadas pelo sistema de mercado e de alguma forma tem seu “significado”
controlado. Na prática só dá para entender isso quando entendemos de
“marketing” e comunicação é claro! É ela que fala das essências das marcas, que
cria a necessidade de consumir determinados produtos, que nos lidera para a
ditadura do TER.
Mas a civilização não pára e forças atuam em conflito no tecido de alta
complexidade da civilização atual. A globalização, a percepção do triple botton
line, o conceito de stakeholders, começam a entrar nas grandes organizações. A
internet, outra vez a comunicação, obriga os governos e as corporações a
refletir e mudar as estratégias de ação. Comunicação do século XXL? Está tudo
em transformação. É a época “do sem tempo”, tudo é fast. Para as mulheres a
época do “corra Lola, corra”. Ninguém sabe muito bem porque corremos tanto!
Queremos crescer, o máximo e o mais rápido possível. Mas nas rádios corredor e
nos consultórios dos psicólogos todo mundo chora uma vida perdida, mesmo
aqueles que não viveram outras épocas. Com a globalização os mercados continuam
a crescer, mas a que preço? Crescem menos, nesse tão falado 2012. Quem se uniu,
quer se separar. A falta da visão sistêmica leva cada país defender o seu. As
grandes corporações, que não tem território, estão correndo por fora,
construindo uma rede de controle global. Crise econômica? Crise ética? De percepção?
A consciência de uma mobilização global pela vida cresce em número de
adeptos, mas a transformação é lenta. Novas mídias se apresentam e o mercado de
comunicação enfrenta muitos desafios para se adaptar. As redes sociais obrigam as empresas a
levá-las em conta! Mudança de paradigmas. Multidisciplinaridade, diversidade e
pouca previsibilidade do futuro. As economias locais, que foram desaparecendo
desde a década de 70, fazem todos nós consumidores do mundo. Mas surgem moedas
locais e o interesse para mudar a fórmula do PIB. 2012 nos mostra que tudo é “líquido”.
(conceito de Zigmun Baumam).
A consciência que estamos afetando de maneira irreversível nosso planeta,
que precisamos modificar nossos modelos de gestão e nossos padrões de consumo,
de produtos e serviços, se apresenta como uma questão vital para o futuro. Também como nos diz Baumam: HIPOTECAMOS NOSSO
FUTURO. O limite de nossa arrogância está no limite da terra. “A principal
pergunta hoje não é o que fazer, mas quem vai fazer!” (Zygmunt Bauman)
Não pode existir empresa bem
sucedida e sustentável numa civilização que mantêm parte da sociedade na “idade
média” e onde não existe o “palco”, a terra para atuar. Uma empresa só é dona da sua imagem, mas
perdeu o controle de sua reputação! Como nos fala Manuels Castells: a mistura
da ocupação das praças com as redes sociais é nova, não sabemos o que vai
gerar, mas assistimos a essas mudanças. A juventude está diferente das duas
décadas anteriores.
Visão sistêmica começa a mudar crenças, estilo de vida, valores. Poderemos
escolher? Podemos mudar? A diversidade é
um fato, os refugiados e emigrantes, que estão por toda parte, nos mostram
nossa dificuldade de convivência e conversa com o diferente. O que fazer com a
noção de estado, nação e território num mundo de corporações transversais? O
que fazer num mundo que incorpora o conceito de sustentabilidade, sem
percebê-lo sistêmico e que continua falando em crescer, crescer com o maior
lucro possível para os acionistas? Será que a economia não tem que se
transformar perguntando por que existe? Não seria adequado pensarmos que ela
existe para fazer fluir a felicidade das pessoas e cuidar do meio ambiente? Imaginemos
uma utopia: todos os economistas acordariam encontrando um novo sentido para
seu trabalho: cuidar das pessoas e do planeta. Daríamos uma virada na espiral
do desenvolvimento humano.
Voltemos à pergunta? A comunicação pode mudar o mundo? Pode, porque
sempre mudou. O desafio agora é se queremos usar a comunicação para mudar o
mundo ou para manter nosso desatino. Se vamos ter novas tecnologias para nos
salvar, mas especialmente novas lideranças nos governos, nas empresas, na
academia, nas comunidades que possam estar criando o novo mundo para que nós
profissionais de comunicação possamos anunciar, vender! Enquanto esses novos
produtos e serviços de uma sociedade que escolhe só SER não chegam, vamos
apostar na vanguarda que sai protegendo árvores, animais, seres humanos
excluídos, que faz feira de desapego, que troca presentes, que não quer
propaganda para nossas crianças, que medita que anda de bicicleta, recicla seu
lixo e planta uma hortinha ou ocupa praças, ou seja, aqueles que são capazes de
sonhar. As mudanças sempre começaram pela mão de alguns, não é Plurale?
Vamos investir na educomunicação, diálogo e empatia certos de que, ao
longo da história, não somos tão diferentes assim. Buscamos o atendimento às nossas
necessidades básicas, carinho, respeito, liberdade e paz.