Escrevi esse texto em 2011 quando Friburgo sofreu. Ainda sofre com a incompetência e corrupção dos que teriam obrigação de prevenir e acolher. Homenagem a todos que perderam suas casas aí em 2011, no ES, Macaé em 2013 e que a luz nos proteja de outros nesse verão.
Falta água, ou sobra
água??
Sim falta água!
Ela me fala com
um fio de voz que não pode pegar a água do rio, onde correm cadáveres, para dar
as crianças. Navega no rio, mortos e o barro. Falta gás. Falta energia.
Falta
comunicação, diz ela. Não se preocupe se
não conseguir falar. É um milagre que ela está podendo me dizer que ninguém
morreu. Afinal são sete filhos e lá embaixo todas as casas foram alagadas,
mortos navegam no que antes era um riozinho, sem personalidade. Lá por cima, no
morro há muitos mortos e casas arrasadas, ninguém sabe quantos. Os sete filhos
estão ali com fome e sede. O marido recolhendo mortos, o último foi um bebê de
três dias que ele pegou no colo, o oitavo filho que não concebeu.
Lágrimas
escorreram do coração daquele pai, sem tempo de sentir dor. A dor já fazia
parte de suas células, depois de três dias de algo que não sabia explicar. Só
sabia que tinha que continuar a revolver barro e recolher corpos. Não viu TV, porque
não tinha energia. Sabia que algo muito grave estava acontecendo e ele precisava
estar ali entre barros e corpos.
Em algum momento
pensava como poderiam estar seus filhos, o que estariam comendo? Seus sete
filhos, que água estariam bebendo? Mas sabia que respiravam, enquanto recolhia
corpos sem vida!
Nova Friburgo,
verão de 2011.
Eu aqui,
sentada, sem chuva, sem enchente, sem corpos, na segurança do décimo primeiro
andar na Gávea, Rio de Janeiro, penso porque não acreditam? Porque pensam que a
terra é ilimitada? Porque pensam que ela está aqui para nos servir? O que
impede, com todos os movimentos do sol e da lua, que possamos entender que ela
tem vida? Podemos controlar o que tem
vida?
Luciana consegue
contato, e eu posso sentir seus sete filhos grudados à sua saia. Pergunta, a
mim, que sempre encontrei soluções para essa guerreira menina, o que deve fazer?
Como poderia pegar a água do rio, cheia de morte, e ferver na lareira para dar
as crianças?
Não há água ou
comida, esse é o fato.
Eu sinto que não
sei pensar a vida sem energia, sem gás, sem comunicação, sem posto de gasolina,
sem supermercado, shopping, sem telefone ou celular, sem caixa eletrônico, sem
água na torneira, sem vida, sem casas, nem estradas.
- Diga como
posso te ajudar, pergunto?
Concluímos que
nada. Nenhuma das duas tem condições de fazer nada, só agradecer que todos
estão vivos! Torcer para que alguma coisa da vida normal volte a funcionar para
que eu possa fazer alguma coisa. Tantos nem conseguem se comunicar! Que bom
consegui saber que todos estão vivos!
- A estrada não
tem passagem para me levar até vocês, nem que eu crie coragem! Digo eu.
Que loucura
fizemos com nossas vidas!
Como não chega
água em nenhuma das localidades? Como explicar as imagens que vejo? Talvez o título desse artigo fosse: como uma
garrafa d água pode custar R$ 30,00? Ou ainda, que raio de governos existe por
aí?
Senhores, o
amanhã chegou. Desejo a todos vocês muita luz para enfrentar as conseqüências
de nossos atos!
OBS - Vivo as
Dificuldades de uma família em
Friburgo. Uma família que faz parte da minha vida desde 1991,
quando a mãe era só uma menina de 11 anos.
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