Destino da árvore. Ela perdeu a copa
e com
isso o diálogo com o
mundo se tornou mais
difícil. Ela
perdeu o tronco e, assim teve que se
fortalecer muito para se manter sustentável.
Perdeu as raízes e empreendeu grande
empenho
para continuar a se renovar. Perdeu
a seiva e teve que aprender a conviver com a
solidão e detração. Mas sobrou a semente.
Sente-se
hoje apenas semente. E como
semente, se sente inteira. Pois na semente se
encontra
o frescor da copa, o vigor do tronco,
o segredo das raízes e a vitalidade da seiva.
(Boff)
Sempre
fiquei encantada com os guardadores de sementes. Quando vejo as comunidades de
agricultores familiares seguindo a tradição de guardar sementes, sinto uma onda
de respeito me inundar. Respeito pela terra, pelo que generosamente ela nos dá,
sem pedir nada em troca, apenas um relacionamento amoroso. Nas sementes mora a
vida, não só a vida original da semente, mas também a vida de quem vai planta-las,
colhe-las e come-las. Não há nada que me emocione mais do que a fome, a falta
de alimento, que é gerado somente pela forma egoísta que organizamos nosso
sistema.
Volto
para os escravos, os famintos do Nordeste além dos que passam fome ao nosso
lado nos centros de nossas grandes cidades. Um pedacinho de terra, uma semente e um pouco de
água, são dádivas que não enxergamos mais. O que vemos são embalagens nos
supermercados, água nas torneiras, e comida já pronta, apagando nossa consciência
de valores. Guardar sementes, ainda é possível. Cada uma que recolho, quando
venta no meu quintal, recolho... olho
profundamente, tento imaginar a vida que ela carrega e me emociono. Muitas vezes
planto, mesmo sabendo que o tamanho daquela árvore, caso venha a nascer, não
caberá aqui no meu quintal, mas sempre posso doar a mudinhas. Os agricultores,
de verdade, doam sementes aos vizinhos, trocam, numa rede amorosa e consciente,
num movimento circular da vida. Não é rede, por que rede prende, tem nós. É círculo,
em constante movimento.
Tudo
isso me fez pensar nos semeadores de ideias, de valores. São outro tipo de
agricultores e estão espalhados por todo o mundo. Também trocamos ideias e
muitas vezes plantamos sonhos, sem nem nos conhecermos. Vivi a vida a toda ao
lado desses agricultores. O plantio não é na terra, é na consciência. Aquelas,
que deixaram frestas abertas para receber novas sementes: crianças e
adolescentes, pessoas que desconfiam de suas verdades, os curiosos, os que
encontram o brinquedo do pensar no playground da vida. Por toda a história da
civilização existiram esses agricultores. Muitos deles buscam entradas através
dos olhos, outros através dos ouvidos, outros através da mente ou do coração.
Estamos
num momento importante para guardar sementes de ideias, além da importância de
guardar sementes de feijão, arroz entre outras delícias que a terra nos
oferece. Sementes de ideias podem até preservar as sementes originais. Muitas
sementes foram plantadas no final do último milênio e nos 10 anos desse milênio.
Parecia que caminhávamos para resultados na plantação. Haviam plantadores determinados,
água, muitas sementes e muitos brotos que vingavam contra o que destruía a
vida. Muita esperança e realização. Os semeadores estavam em postos chaves nas
empresas, no governo, nas ONGs, e o círculo circulava, aumentando o nível de
informação, casos concretos e realizações de populações excluídas
anteriormente.
Muitos
consultores falavam ao coração, designs aos olhos, enchendo os ouvidos de novos
sons. Isso no mundo todo. Mas estava guardada uma grande tempestade, que não
vinha da natureza. Veio de humanos que se sentiam ofendidos com as novas
plantações. Ameaçados pelos novos frutos. Foram acumulando raiva e pouco a
pouco invadiram o mundo de ódio: ouvidos, olhos, coração, ganharam sons, cores
e sensações derramadas por novos atores. Um suco amargo para o coração. Pouco a pouco
acharam frestas nas mentes para falar para muitas pessoas de outros valores.
Nem todos tinham frestas na mente, ou nem todos permitiram a entrada desses
novos temperos no alimento do nosso coração, olhos, ouvidos ou mentes.
Agora
os agricultores de ideias terão mais dificuldade para levar adiante suas
plantações. Terão que ser mais criativos, perseverantes. Mas eles continuarão
nas organizações que evoluíram, nas pessoas que avançaram e que, mesmo tendo
que guardar temporariamente as sementes, estarão atentos às oportunidades, para
ir ao galpão de sementes e encontrar suas heranças de aprendizado e a emoção de
suas experiências. Assim seguirão os agricultores de ideias, certamente como os
fatos estão mostrando, não faltará adubo para mantê-los atentos e firmes na sua
função de guardiões de sementes.