quarta-feira, 14 de julho de 2010

DESAFIOS DO PLANEJAMENTO

Antes de falar em planejamento prefiro pensar no que significa uma atitude de planejamento.

Quem gosta de planejamento?

A última gaveta das mesas, as pastas de arquivo nos computadores costumam sempre guardar um ou alguns. Às vezes, eles também estão ao lado de pesquisas.

Normalmente, ele é feito por poucos, que se sentem revestidos de poderes, e avaliado por muitos. Não raro, vira competição entre egos. Na maioria das vezes nos são impostos, como no caso dos planos econômicos. Na prática, os planejadores esquecem que fazer planos é o de menos, o mais difícil é criar as condições para que eles sejam executados.

Planejamento pode ser visto também como enrolação: muito papel, tabela e pouca ousadia de novas proposições. Na nossa profissão, muitas vezes o planejamento é feito para justificar caminhos criativos ou... para ganhar concorrências.

Planejamento para mim sempre foi uma coisa diferente. Muito mais do que uma técnica, ele fascina por instrumentar o meu pensar. É uma atitude decidida frente à vida, permite pensar estrategicamente para viabilizar ações que transformem alguma realidade. Mais do que fazer planejamentos, o excitante é implementá-los.

Podemos pensar e planejar ações de comunicação frente a problemas econômicos, problemas de uma cidade, de um serviço ou produto ou de uma empresa. Mudamos ideias e culturas utilizando a comunicação para dar significados.

Planejamento torna nossas ações conscientes e consistentes. É meio como deixar de ser “pau de correnteza”, que fica batendo sem controle nas margens de um rio, para tornar os processos conscientes, ter informação e, a partir daí, estabelecer objetivos e estratégias. Através do processo de planejamento percebemos, inclusive, se nossos objetivos, ou os de nossos clientes, são viáveis.

Planejamento é diagnóstico, levantamento de hipóteses, sondagem e ousadia na busca de soluções.

Não é qualquer pessoa que pode se tornar um bom planejador. Para planejar é necessário ser um pouco detetive, ser muito curioso, querer entender como as coisas funcionam. Ser preconceituoso é incompatível.

Especialmente na nossa profissão, é necessário ser meio “ator”, ter a capacidade de sentir a emoção de um jovem quando vai comprar seu primeiro carro, ou as emoções e razões que levam diferentes mulheres a uma loja de lingerie. Precisamos, às vezes, ser tão versáteis que conseguimos perceber os motivos que levam um fazendeiro a escolher uma marca de trator. Claro que quando falamos de comunicação interna significa ter a capacidade de pensar e sentir como um trabalhador de turno, da área administrativa, do corporativo ou mesmo de uma área específica de negócio.

Nós, profissionais de comunicação, precisamos nos sentir inteiros: razão, emoção, sensação. Precisamos também ser especialistas em frustração e aspiração para poder perceber o movimento dos indivíduos na sua dança como interlocutores.

Somos todos compradores de produtos, de serviços, de ideias ou de candidatos. Junto com produtos ou ideias, vendemos e compramos sonhos, estilos de vida, comportamentos, valores. Não inventamos nada, mas com nossa arma, a comunicação, fazemos a diferença.

As metodologias de planejamento variam, mas o essencial é o conceito, que envolve pensamento, análise e sempre criatividade.

Não é uma atividade para se fazer sozinho, porque o primeiro passo de qualquer plano é, através de estratégias, conseguir que ele seja executado. Um planejamento só terá sucesso se muitos se sentirem donos dele. O planejador desenrola um novelo embaralhado e enrola de novo. Só aí ele sabe exatamente onde está a ponta de cada uma das extremidades.

Em primeiro lugar, precisa ficar claro que aqui vamos falar de planejamento de comunicação. Traduzindo: vamos usar a comunicação para fazer “mercado”. Fazemos “mercado” para idéias, valores. A comunicação não é a única ferramenta do marketing, mas é a que dá vida a ele.

Quando fazemos alguma coisa pela primeira vez, precisamos de esquemas, como quando aprendemos a dirigir ou a usar o computador. Decoramos os pedais e botões, depois fica automático. Conseguir ter uma atitude de planejamento é descobrir as delícias do pensamento estratégico.


No início, precisamos prestar atenção, apreender alguns procedimentos. Depois é só prazer! Descobrir soluções, saídas, tem até sabor!


1. OLHAR O PROBLEMA COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ.
COLHER INFORMAÇÕES.

Parece simples, mas perguntar também tem arte. Você pode sair de uma reunião com o planejamento pronto se você souber o que perguntar, para quem perguntar.

O cliente pode passar um brief e você ficar satisfeito com isso. Ou, pode ser muito curioso e mergulhar nas questões. Não podemos mudar o preço, a distribuição ou o nome do produto de imediato, mas entender tudo que acontece pode lhe dar dicas preciosas sobre como usar a comunicação para resolver o problema. Está certo, o cliente só está pedindo um banner, mas essa é a sua chance.

É fundamental que você não se contente com as informações dadas pelo cliente, mas que você busque dados, desenhe os públicos de relacionamento, descubra o que eles pensam sobre o tema, descubra as segmentações internas. No caso de um produto, vá à loja ou ao supermercado, olhe com a cabeça aberta. Fale com os empregados da empresa, fique no telemarketing por uma hora, vá até o ponto de ônibus das áreas operacionais. Comece a “colher” com os olhos e ouvidos, como nos sugere David Bohm. Seja um observador. Não tem verba para pesquisa com o público? Sem problema, você vai achar o interlocutor e vai desenvolver sua capacidade de observar pensamentos, sentimentos e atitudes. Você poderá ter números, mas poderá abrir sua cabeça para pensar e, de repente, num “insight”, você vê o problema de outra maneira.

Uma vez passei um briefing para a criação em uma frase: “O problema do chá é conseguir tirá-lo do armário”. O problema não era fazer o consumidor comprar o chá. Uma boa campanha ou uma promoção poderiam gerar o trial, mas se não mudarmos o hábito, estimularmos o repeat, o chá, nessa altura, era consumido para ressaca ou problemas de saúde, saía pouco do armário. O problema é de hábito e, como diz Al Ries, “você tem que gastar muito dinheiro para mudar a cabeça do consumidor e achar o apelo certo”. Os chás naturais conseguiram nichos de mercado, mudando valores, estilos de vida. Hoje enfrento enormes desafios para levar equipes a conversarem, comprarem idéias sobre a sustentabilidade, etc.

Quando estamos envolvidos com algo, nossa tendência é nos misturar com aquilo. Muitas vezes é difícil alcançar a devida distância para criticar nossos próprios projetos. A agência deve ajudar o cliente a ver o seu negócio, seus

produtos, suas marcas. O cliente precisa desenvolver a vontade de criar nas agências. Somos todos gestores de clima. Criamos, com nossos briefs e planejamentos, o clima adequado para despertar vontades e criatividade. Devemos ter a devida isenção e distância para diagnosticar os problemas e ter visões de futuro.

O grande desafio é você não se perder nas informações recolhidas, mas conseguir ter uma visão global do problema. Fomos treinados para análise, não para fazer sínteses.

A síntese é um dos novos paradigmas que nos chegam. A síntese tem tudo a ver com planejamento de comunicação. Em 30 segundos ou 30 cm, em síntese, eu tenho que falar, tocar e convencer meu interlocutor.

O trabalho da agência ou do profissional de comunicação das organizações é intenso e tenso: trabalhamos criando oportunidades de errar, temos prazos, espaços limitados, ameaças constantes de perder o cliente: a concorrência é muito acirrada. Mas não creio que nada disso impeça a busca de informação. Se não foi possível num anúncio, nada justifica que você não comece a se preparar para o próximo.

Não é só informação específica que é importante para um planejador. É necessário ser informado genericamente: tendências econômicas, mudanças de valores socioculturais, arte, moda, cinema, etc. Na vida, o planejador tem que ser o detetive, o buscador.

Eu diria que profissional de planejamento é aquele que percebe como as coisas estão e intui o movimento. Usa o lado direito do cérebro. Não tem medo de descobrir as razões dos complicados comportamentos dos seres humanos no jogo social. Não é dono de nenhuma verdade. Está sempre na dúvida, buscando entender mais.

2. O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO GOSTA DE DESCOBRIR “ALMAS”

Cada vez mais nosso trabalho é desenvolver marcas. O produto ou empresa só constrói sua marca junto a um grupo de consumidores quando ganha uma “alma” para eles.

As marcas têm cores, cheiro, forma, tamanho, sentimentos para seus interlocutores fiéis. Só que não é possível construirmos a “alma” de uma marca teoricamente, ou como desejamos. As organizações carregam potencialmente valores que passam para seus produtos e serviços. A cultura de uma empresa é formada pela sua história, pela história dos seus

fundadores, pelos valores desenvolvidos nos seus empregados. Uma empresa que não tem cultura é um negócio, não é uma empresa. Nosso trabalho também pode ajudar as empresas a encontrarem seus valores.

Uso sempre “bolas” para me lembrar visualmente que as coisas estão em movimento e também para me obrigar a ter uma visão holística. Fomos educados para a fragmentação e eu quero ir aprendendo o novo paradigma. Essa simples “bola de empresa” (em anexo), como eu a chamo, ajuda muito a perceber onde e com quem trabalhamos.

Descobrir a “alma” da empresa vai nos ajudar muito a construir a sua marca. Uma organização tem vida própria e essa vida é dada pela energia criada pelos seus participantes. Essa singularidade é dada pelo modo como esse grupo de pessoas pensa e se emociona.

A azaléia é diferente da violeta. A primeira gosta de água gelada nas folhas. A violeta detesta água nas suas folhas. A natureza nos ensina que não há receita, há vida. E onde há vida, há singularidade. Você pode usar o mesmo tipo de promoção interna para duas empresas. A comunicação, no entanto, deverá conter a “marca” de cada uma.

A comunicação é essencial no processo de mudança das organizações. Notem que eu não falo só em propaganda, porque ela é apenas uma das técnicas, falo de comunicação. Falo das inúmeras atividades de comunicação que podem ser usadas para cada um dos públicos-alvo de uma empresa para dinamizar seu negócio. Falo de propaganda, mala direta, comunicação corporativa, comunicação para a qualidade, sustentabilidade, eventos, promoções, incentivo, jornal mural, internet e milhões de outras atividades de comunicação.

3. FALANDO DE PÚBLICOS DE RELACIONAMENTO

Não estou falando de homens de 30 a 50 anos da classe AB. Também não falo de empregados de uma empresa. Estou falando de uma “bola” de públicos em movimento.

Um planejamento de comunicação deve, estrategicamente, entender cada público de relacionamento e exercitar entendê-los, identificar seus desejos e possibilidades de mudança.

Talvez o ponto nevrálgico de um planejamento esteja na escolha dos públicos que devem ser atingidos e do objetivo de comunicação junto a cada um deles.

Já vi empresas investirem fortunas num lançamento, incluindo Assessoria de Imprensa que declara “2 milhões em mídia”, e a empresa entrou em greve

três dias depois do lançamento da campanha porque os funcionários não entenderam porque ela havia demitido há um mês e agora gastava uma fortuna em mídia.

Empregado é um target essencial. Boca a boca é mídia. Marca se faz com o cunhado, a prima, o namorado da prima, a mãe do marido. O consumidor não vê a marca só na TV. É um conjunto de fatores que tem o poder de criar uma marca. Lidamos com o imaginário.

4. COMO CONSTRUIR MARCAS

Todas as vezes que se pensa em fazer comunicação está em jogo a vida de uma marca. E vida é mesmo a palavra certa, porque, ou está nascendo uma marca ou estamos preocupados com a saúde de uma delas.

Tudo que guardamos são imagens. Nossa mente é um arquivo de sensações, emoções, pensamentos. Não controlamos nossos pensamentos, por isso formamos imagens muitas vezes sem ter consciência de como isso acontece. A comunicação não planejada é um grande risco, porque você nunca sabe como o interlocutor vai reagir e que registro vai ficar para a sua marca. Mesmo usando pesquisa, monitorando todas as variáveis, ainda acontecem surpresas: o interlocutor está vivo e não controlamos o que tem vida.

Podemos, sim, estabelecer um diálogo com ele, conquistar sua participação, adesão. Planejamento é a única forma de ganharmos certa segurança no caminho. Sendo uma marca, um registro de imagem, se ela não tiver uma unidade estratégica, não fará sentido, gerará uma percepção confusa. De certa maneira, uma marca é como uma pessoa, um sonho, uma fantasia. Registramos impressões, imagens de pessoas, de fatos, de países, de governantes, de partidos políticos e de produtos e serviços.

Vários aspectos interferem na criação de uma marca. O interlocutor vai registrar uma cor, um paladar, uma sensação, vai formar crenças... Vai também despertar emoções, desejos de status, orgulho, vergonha, projeções de estilo de vida, etc. Poderá inclusive condenar nossa comunicação como “paisagem”. Fizemos mais um banner para um tema anual e, como perguntam os americanos, So What?

Nossa obrigação é perceber o movimento dessa marca, identificar os problemas de percepção e interferir de forma global tentando um melhor aproveitamento na conquista definitiva. Estou aqui falando de marca, mas não necessariamente as marcas são só as das empresas. Existem as “marcas” que são produtos internos, valores. Vamos pegar o exemplo do tema de segurança, que hoje está tão presente nas empresas. Toda hora falamos dele, mas estamos conquistando corações e mentes dos empregados? Estamos criando “paisagens”?

Cada vez é mais difícil diferenciar marcas. Os benefícios oferecidos são cada vez mais parecidos, o que obriga o planejador a buscar um equilíbrio diferente dos benefícios e “reason-whys”, a usar a sua criatividade para conquistar uma percepção diferenciada junto ao interlocutor.

Planejamento tem que ser uma oportunidade de reflexão. Quem não gosta de pensar não planeja. Quem se satisfaz com as primeiras respostas não cria novas soluções. Precisamos pensar no todo, ser capazes de fazer sínteses. Uma marca só é marca quando conseguimos uma unidade estratégica de todos os seus aspectos de interferência. Tem que fazer sentido, tem que ser possível comprar a “intenção”, querer compreender os significados. Fácil de explicar e de entender.

Planejamento é encontrar o equilíbrio dos fatores e conseguir comunicar em forma de síntese para o público certo – previamente definido - que carrega potencialmente a capacidade de se entusiasmar com o que estamos vendendo.

Devemos oferecer planejamento, devemos estimular nossa criatividade. Somos todos levados ao embotamento de nossa criatividade, caímos facilmente na rotina e no acomodamento.

Acho que fiz do planejamento minha vida porque tudo se torna extremamente interessante quando podemos pensar criativamente.

Estou certa de que a comunicação é uma arma. Estou completamente convencida de que as pessoas impactadas pela mudança de paradigmas desse final de século devem aprender a fazer comunicação.

Nada disso pode acontecer sem planejamento estratégico. O mundo vai mudar muito nesse momento da história da civilização, e estamos sendo chamados a usar a comunicação para construí-lo. Já vendemos descartáveis e agora vendemos reciclagem. Temos novas imagens de marca para vender no planeta. Novos produtos, valores, credos e tecnologias para anunciar.

Creio que, como contribuição, fica um convite ao pensamento, ao desejo de ter informação. Pesquisar quando for necessário. Ouvir, investigar. E depois processar essa informação e ousar uma proposição estratégica.

Não há desculpa para não fazer planejamento. Mesmo no ritmo louco que vivemos hoje, com agências pequenas, de poucos recursos, a atitude do

Planejamento pode levar a um trabalho mais sério e mais eficiente para o cliente.

Não há complicações. Não há mistérios. Há, sim, organização, visão crítica, garra e ousadia.

Isso é planejamento.

NÁDIA REBOUÇAS
Rebouças & Associados
http://www.reboucaseassociados.com.br/
rebouças@reboucaseassociados.com.br
Twitter: http://www.twitter.com/Reboucas_Assoc

terça-feira, 6 de julho de 2010

Maravilha de encontro

Confira trechos da participação de Nádia Rebouças, no talkshow com o Prof. Evandro Vieira Ouriques, ontem (05/07), no NETCCON.ECO.UFRJ. O encontro foi dirigido a alunos do curso JPPS - Jornalismo de Políticas Públicas Sociais. http://territoriojpps.ning.com/video/nadia-reboucas-no-jpps