A chegada do caminho para
a democracia
Preferi
chamar assim esse artigo, ao invés de algum título focado na ditadura. Sim
porque tenho certeza que com o período de ditadura começamos nosso duro
caminhar para democracia. Hoje sei que esse caminho é contínuo. Naqueles idos
eu achava que bastava terminar com aquela insuportável limitação da minha
liberdade e o país avançaria. Eu tinha apenas
tinha treze anos. Entendia mais ou menos o que estava acontecendo, gastei todo
o resto da minha adolescência e juventude me surpreendendo e compreendendo. Mas
ainda nesses dias tento entender. Foi o que sobrou para a minha geração,
continuar tentando entender aqueles duros 20anos que repercutem na nossa
trajetória até hoje.
Nesse
momento dos 50 anos todas as mídias contam a história, revelam os bastidores,
alguns mais terríveis do que era possível imaginar na época. Tenho lido no
jornal a história dos que morreram, dos artistas que foram amordaçados e
refletido sobre o que aconteceu com a população comum, aquela que viveu e vive
sem holofotes. O que representou para a classe média, para as favelas ter
vivido 20 anos de um crescente mando autoritário? Para aquele que não era
ligado à política ou para adolescentes como eu? Onde está esse horror hoje nas
nossas vidas? Onde estão os resquícios desses torturadores que aparecem, sem
arrependimento, na Comissão da Verdade?
Percebo
que os valores da ditadura permanecem nas nossas lideranças autoritárias dentro
de nossas empresas, especialmente as de herança pública, muitas nascidas pelas
mãos do exército. Na corrupção absurda do nosso país. Nas nossas prisões
desumanas. Na nossa pedagogia que não consegue criar escolas e universidades
democráticas, onde o aluno possa ser. Nos nossos orfanatos e depósitos de
meninos infratores. No nosso racismo, persistente, que extermina nossos jovens.
No estupro das mulheres e na homofobia. Nos nossos políticos que se comportam,
até hoje, como se existisse a Casa Grande.
Precisamos
falar dos valores e procedimentos da ditadura por que eles estão aqui, vivos no
nosso cotidiano. A principal arma da
ditadura foi a capacidade de instalar o medo nos cidadãos comuns. Eu era uma
jovem que vinha de uma classe média baixa, de um pai com alma anarquista, mas um
correto empregado de uma empresa, com salário baixo e grande luta para conseguir
comprar a casa própria. Sem nenhuma
sofisticação, amava a liberdade e entendia perfeitamente que ela estava sendo
atingida, mais uma vez. Eu sonhava, queria estudar, seguir meu caminho e tinha
uma inata sensibilidade para a injustiça social. A repressão foi um passo para
acentuar esses sentimentos. E eu, sem participar de partidos políticos, comecei
a atuar na educação e na cultura, como sei que muitos e muitos fizeram e que
não se tornaram famosos, nem estão hoje dando testemunhos sobre os 50 anos da
ditadura, mas tem uma história para contar.
Quando,
nos anos 80 fui professora na Faculdade de Comunicação da PUC Rio, fiz um
trabalho com os meus alunos sobre a propaganda e a cultura durante a ditadura e
ouvi de uma aluna: - “A gente aprendeu o silêncio, nossos pais falavam baixo,
pediam que não falássemos! No ar tinha um peso, que a gente, criança, não
entendia”. Foi assim que a ditadura calou algo muito importante nos jovens, que
sem compreender o que acontecia, estavam envolvidos naqueles terríveis anos. A
tentativa era matar o protagonismo. O silêncio passou a fazer parte. Não tinha
agenda com nome e telefone de amigos, não se conversava na cantina do colégio,
não se falava alto, ou num tom normal nunca, nem quando fora do Brasil, como
aconteceu comigo em 1974, por que certamente lá em Paris nossos sussurros
poderiam ser ouvidos por espiões nas mesas ao lado. O silêncio também imperava
nos corredores dos barracões para onde foi a sociologia da USP, onde estudei. Muitos se foram pela morte outros levaram
nossos sonhos para o exílio.
Eu fiquei aqui, entre medrosa e corajosa. Por
influência da família de meu namorado saí em busca de aprendizado e
consciência. Eu namorava o irmão da Clarice Herzog. Vlado foi um importante inspirador da minha
adolescência atormentada. Também nessa época conheci o irmão de meu namorado,
João Ribeiro Chaves Neto. Estudávamos no mesmo colégio Fernão Dias Paes. Lá
fizemos um jogral, dirigido por ele no final do ano de 1965, creio. Depois foi
para a São Francisco, mais tarde como advogado foi Vice Presidente do Citibank.
Mas guardava um artista dentro dele, que de forma amadora praticava autorias e
direções teatrais. Com ele eu fui para o teatro. Com ele fiz a leitura de uma
adaptação de Tchaikovsky – O urso – onde em 1967/68
no Teatro Casarão, um teatro de resistência em São Paulo. Nessa peça meu papel era
de uma empregada doméstica russa, que discursava em cima das cadeiras com um
espanador na mão! Éramos destemidos, encenamos a peça por pelo menos um mês
enquanto ela passava pela aprovação da censura. No dia 13 de dezembro 1968, por
alguma ironia já que foi o dia do A I- 5, aquele que apertou definitivamente a
ditadura, o texto original nos retornou pelo correio. O texto foi entregue
mimiografado, como (alguém ainda sabe o que é isso?), mas voltou com páginas
rasuradas, riscadas, rasgadas. E o argumento da não liberação foi exatamente
esse: eles não podiam liberar um texto que nós havíamos enviado com rasuras! !
TucArena em São Paulo com
participação especial de Sérgio Ricardo. A programação será:
01 de abril -
Patética
02 de abril -
Patética
Patética, peça escrita por João Ribeiro Chaves
Neto em 1978, apresenta uma trupe de artistas circenses que representam pela
primeira e última vez a história de Glauco Horowitz, que inicia em um navio
atracado no porto do Rio de Janeiro e termina em uma tarde escura em São Paulo.
Através de uma estrutura metateatral, a peça discute a censura, ao mesmo tempo
que conta a vida de Vladimir Herzog, desde a imigração de seus pais para o
Brasil, o trabalho de resistência do jornalista, a sua prisão para prestar
depoimentos nas dependências do DOI-CODI, a morte sob tortura e a luta de sua
família para provar que foi assassinado. No fim, o espetáculo da trupe é
proibido e o próprio circo, fechado.
Com o
texto, todo rasurado nas mãos, na porta do Casarão, o elenco conversava com
João: O que fazer? Estávamos a apenas a 3 horas do espetáculo, já todo vendido.
Começamos a ouvir falar do Ato Institucional número 5. As notícias chegavam
pela rádio corredor da cidade que só sussurrava. As informações não circulavam
rápido como hoje. O rádio era importante e recorremos a ele. Era fácil entender
o que significava aquele Ato, foi apavorante! Mas mesmo assim ainda não tínhamos
consciência do que ele significaria nos próximos anos de nossas vidas.
Foi a
última vez que o medo não nos amordaçou. Encenamos e enterramos a peça. A minha
empregada ficou hilária, irônica, fantástica! Não sabíamos que no nosso
destino, meu e do João, estava o desafio de perder o Vlado, Vladimir Herzog,
assassinado brutalmente em outubro de 1975. João Ribeiro Chaves, chocado,
escreveu Patética, uma peça de teatro
que conta através de artistas de circo a história da família de Vlado. Uma
família que fugiu do nazismo para o Brasil, passando pela Itália, trazendo um
Vlado menino, para ser assassinado por outra ditadura no longínquo Brasil, o
país do qual esperavam paz.
A peça
ganhou o prêmio Moliére, um prêmio que João jamais recebeu. Foi encenada apenas uma vez. Volta aos palcos
numa leitura encenada dia dois e três de abril em São Paulo, num evento do
Instituto Vladimir Herzog.
João não está mais aqui para contar sua
história. Mas seu sobrinho Ivo Herzog que criou o Instituto Vladimir Herzog não
esqueceu de homenageá-lo nesses dias de apavorante memória. Sobramos alguns artistas
que fizemos teatro com João. Aqui no Rio de Janeiro a leitura do “Eles não usam
Black Tié”, dirigida por João (peça proibida até 1979, por incrível que pareça)
no teatro da UNE na Praia do Flamengo, que também veio abaixo como o Casarão, deixou
para mim lembranças distantes de minha carreira interrompida. João foi
assassinado pela ditadura, como muitos. Um assassinato pouco comentado, porque
foram aqueles que não foram presos, nem perderam seus corpos físicos sob
tortura. Mataram sua alma. Suas esperanças, seu fazer. Precisamos considerar no
cálculo de mortos pela ditadura os muitos que tiveram suas almas assassinadas.
Morreram aos poucos ao longo da vida, por que não puderam ser.
Que se faça
outra ressalva, muitos morrem todo dia pela terrível herança que sobrou.
Podemos gritar que temos democracia, mas não dá para não ter consciência da
distância que falta para podermos realmente comemorar. Enquanto a democracia não
valer para todos, não temos. Nosso caminho aberto por muitos, precisa continuar
sendo percorrido com determinação para não ser contaminado pelo câncer, que não
foi totalmente eliminado.
Eu
hoje, não mais uma menina de 13 anos, uma senhora cito Betinho que foi o
primeiro, em 1993, a fazer um movimento cidadão com a Campanha da Ação da Cidadania.
Ele escolheu um foco: a fome. A fome simbólica, que logo ganhou novos caminhos,
que nos acompanham até hoje: temos fome de quê?
“A participação é um dos cinco princípios da democracia.
Através dela é possível tornar realidade que todas as pessoas se
responsabilizem pelo que acontece nos níveis local, nacional e internacional.
Desta forma, se é co-responsável por tudo o que ocorre. Para o pensamento
político conservador o excesso de participação é o maior perigo para a
democracia, pois quanto maior participação da cidadania, maiores são os riscos
para a estabilidade democrática. Nas sociedades autoritárias se faz de tudo
para limitar, restringir e desestimular a participação. Na cultura brasileira a
participação é percebida de forma limitada e limitante. Participar tornou-se
uma exceção, o medo e a resignação da participação instalou-se nos hábitos e,
portanto, na cultura brasileira. Esta situação cria um cidadão limitado,
fechado, sem iniciativa e dependente. Frente à cultura autoritária surge a
cultura democrática, a cultura da participação. Com a Ação da Cidadania surge
um movimento amplo que vai continuar ajudando a mudar a cara do Brasil. É
através dessa participação que está surgindo o novo cidadão e as novas
condições para que o Brasil possa superar a miséria, a exclusão e caminhar no
horizonte de uma sociedade democrática” Betinho
Patética
TucArena em São Paulo com
participação especial de Sérgio Ricardo. A programação será:
01 de abril -
Patética
02 de abril -
Patética
Patética, peça escrita por João Ribeiro Chaves
Neto em 1978, apresenta uma trupe de artistas circenses que representam pela
primeira e última vez a história de Glauco Horowitz, que inicia em um navio
atracado no porto do Rio de Janeiro e termina em uma tarde escura em São Paulo.
Através de uma estrutura metateatral, a peça discute a censura, ao mesmo tempo
que conta a vida de Vladimir Herzog, desde a imigração de seus pais para o
Brasil, o trabalho de resistência do jornalista, a sua prisão para prestar
depoimentos nas dependências do DOI-CODI, a morte sob tortura e a luta de sua
família para provar que foi assassinado. No fim, o espetáculo da trupe é
proibido e o próprio circo, fechado.