Vou
começar falando de minha primeira ida à Inglaterra quando tinha uns 24 anos de
idade. Eu estava fascinada por viajar e conhecer novas culturas, novas formas
de viver, de comer, de se divertir etc. Nada me escandalizou mais do que tentar
lavar a louça numa casa inglesa. Sempre fui participativa e sempre foi
impossível estar numa casa, jantar ou almoçar e não participar do desmonte da
cena. Sou sempre a primeira a ajudar e assim cheguei na cozinha para lavar a
louça. Normalmente, como havia feito por toda a vida, abri a torneira e comecei
a ensaboar um prato debaixo da torneira aberta. Conversando descontraída fui
percebendo olhares e de repente a dona da casa pegou a bacia que estava em cima
da pia ao lado e colocou dentro da pia. Fechou a torneira, depois de encher a
bacia. Não entendi muito bem o sentido do ato. Alguém me chamou e fui atender.
Quando voltei, o impacto! A dona da casa continuou minha tarefa. A torneira não
era usada como eu sempre havia feito até ali. A louça era lavada dentro da água
da bacia, que só era trocada depois de muito tempo. Minha reação foi imediata:
não comeria mais naqueles pratos tão pouco limpos! Não podia entender o porquê
de lavar a louça daquela forma.
A
partir daquele momento comecei a reparar que os apartamentos não eram
limpíssimos como os nossos, não haviam empregadas domésticas e tudo era feito
de forma prática, rápida, com produtos de limpeza diferentes, esponjas e
vassouras diferentes. Para uma jovem tudo era motivo para fazer perguntas. Tomei
coragem e fiz as várias perguntas, que dançavam pela minha cabeça, para uma
amiga mais próxima. A resposta me faz pensar até hoje:
- É...
vocês no Brasil nunca passaram por uma guerra e acho que por isso vivem como se
tudo fosse abundante e não fosse faltar. Aqui aprendemos o valor da água, da
energia, por que durante muito tempo todo o conforto nos fez muita falta!
Aprendemos a economizar, a não desperdiçar.
Pois
bem, nos últimos tempos a falta foi tomando concretude em todas as partes do
planeta. Hora falta, ora excede. Falta calor, excede calor. Falta água, ou
acontecem inundações. Nada disso deixou de ser anunciado pelos cientistas desde
meados da década de 60. Não ouvimos, não acreditamos. Muitos ainda não
acreditam. Para mudar é absolutamente necessário primeiro tomar consciência.
Isso pode acontecer em segundos, ou pode levar toda sua vida. Depende de alguma
informação conseguir chegar a sua consciência. Por exemplo: água é um recurso
finito. Você pode ter ouvido isso mil vezes, mas seu stress de atenção
favoreceu que essa informação entrasse e saísse de você sem que chegasse a sua
consciência. Não ganhou significado e portanto não vai ganhar significância na
sua vida. Não mudará seus comportamentos cotidianos com relação a água. Não vai
pegar bacia para lavar a louça.
Mas,
numa grande crise hídrica, que de forma surpreendente te mostra que a água não
nasce dentro da torneira, e que não adianta abri-la que o líquido precioso não
jorra, (aí você já começa a entender que ele é precioso) você poderá ter um
insight (nada mais do que uma luzinha que toca você lá dentro do cérebro, na
sua mente) que mudará todo seu comportamento cotidiano com relação à água.
Melhor ainda será uma divulgadora da água como recurso finito. Poderá até ficar
bem chata para seus amigos por algum tempo. Assim será com tudo que você for
transformar que virou hábito. Dá trabalho, porque você vai ter que pensar por
muito tempo, fechar a torneira das pias no banho, para escovar os dentes, para
tomar banho. Vai demorar para que tenha respeito à água.
Texto publicado originalmente no site da Plurale e no Akatu.