sexta-feira, 3 de abril de 2015

O desconforto da busca pela sustentabilidade


                     
Estamos num tempo de avaliar o sentido da coragem. A coragem de ter mais trabalho por estar consciente e perceber que passamos as últimas décadas criando confortos insustentáveis!

Vou começar falando de minha primeira ida à Inglaterra quando tinha uns 24 anos de idade. Eu estava fascinada por viajar e conhecer novas culturas, novas formas de viver, de comer, de se divertir etc. Nada me escandalizou mais do que tentar lavar a louça numa casa inglesa. Sempre fui participativa e sempre foi impossível estar numa casa, jantar ou almoçar e não participar do desmonte da cena. Sou sempre a primeira a ajudar e assim cheguei na cozinha para lavar a louça. Normalmente, como havia feito por toda a vida, abri a torneira e comecei a ensaboar um prato debaixo da torneira aberta. Conversando descontraída fui percebendo olhares e de repente a dona da casa pegou a bacia que estava em cima da pia ao lado e colocou dentro da pia. Fechou a torneira, depois de encher a bacia. Não entendi muito bem o sentido do ato. Alguém me chamou e fui atender. Quando voltei, o impacto! A dona da casa continuou minha tarefa. A torneira não era usada como eu sempre havia feito até ali. A louça era lavada dentro da água da bacia, que só era trocada depois de muito tempo. Minha reação foi imediata: não comeria mais naqueles pratos tão pouco limpos! Não podia entender o porquê de lavar a louça daquela forma.

A partir daquele momento comecei a reparar que os apartamentos não eram limpíssimos como os nossos, não haviam empregadas domésticas e tudo era feito de forma prática, rápida, com produtos de limpeza diferentes, esponjas e vassouras diferentes. Para uma jovem tudo era motivo para fazer perguntas. Tomei coragem e fiz as várias perguntas, que dançavam pela minha cabeça, para uma amiga mais próxima. A resposta me faz pensar até hoje:

 - É... vocês no Brasil nunca passaram por uma guerra e acho que por isso vivem como se tudo fosse abundante e não fosse faltar. Aqui aprendemos o valor da água, da energia, por que durante muito tempo todo o conforto nos fez muita falta! Aprendemos a economizar, a não desperdiçar.

 

 

 

 

 

Pois bem, nos últimos tempos a falta foi tomando concretude em todas as partes do planeta. Hora falta, ora excede. Falta calor, excede calor. Falta água, ou acontecem inundações. Nada disso deixou de ser anunciado pelos cientistas desde meados da década de 60. Não ouvimos, não acreditamos. Muitos ainda não acreditam. Para mudar é absolutamente necessário primeiro tomar consciência. Isso pode acontecer em segundos, ou pode levar toda sua vida. Depende de alguma informação conseguir chegar a sua consciência. Por exemplo: água é um recurso finito. Você pode ter ouvido isso mil vezes, mas seu stress de atenção favoreceu que essa informação entrasse e saísse de você sem que chegasse a sua consciência. Não ganhou significado e portanto não vai ganhar significância na sua vida. Não mudará seus comportamentos cotidianos com relação a água. Não vai pegar bacia para lavar a louça.

 

Mas, numa grande crise hídrica, que de forma surpreendente te mostra que a água não nasce dentro da torneira, e que não adianta abri-la que o líquido precioso não jorra, (aí você já começa a entender que ele é precioso) você poderá ter um insight (nada mais do que uma luzinha que toca você lá dentro do cérebro, na sua mente) que mudará todo seu comportamento cotidiano com relação à água. Melhor ainda será uma divulgadora da água como recurso finito. Poderá até ficar bem chata para seus amigos por algum tempo. Assim será com tudo que você for transformar que virou hábito. Dá trabalho, porque você vai ter que pensar por muito tempo, fechar a torneira das pias no banho, para escovar os dentes, para tomar banho. Vai demorar para que tenha respeito à água.

 Coloque essa percepção em ação para todos os convites que você tem recebido nos últimos anos para mudar comportamentos! Dá um trabalho danado aprender a reciclar, mudar hábitos alimentares, aprender que você será a melhor pessoa para preparar seu alimento, deixar os restaurantes a quilos, as latinhas e caixinhas para trás, perceber o açúcar e a diminuição dele no seu metabolismo e até na sua aparência. Leva-se tempo para mudar, como leva-se tempo para tocar um instrumento, construir uma casa, fazer um filho etc.

 

 
Há uma exigência de coragem, determinação, paciência com suas falhas e esquecimento, enfrentamento da preguiça e perseverança. Andei de carro a vida inteira como agora de ônibus? Deixei sempre as luzes acesas e os aparelhos na tomada, como me tornar consciente nos meus passos diários? É no meio desses desafios que vão nascendo seres comprometidos com a sustentabilidade. Tarefa para corajosos.

 Ponha isso na dimensão das empresas. Nos produtos testados e aprovados por anos e anos e que de repente se percebe o mal que fazem. Aos procedimentos de produção, tão mecânicos, e tão difíceis de transformar, às vezes comportamento de milhares de empregados. Um produto que produzimos automaticamente como a corrupção, nem estou falando das gigantes que estamos conhecendo, mas das pequenas que cada um de nós cometeu com o jeitinho que nos caracteriza, como eliminar? Não é fácil, é tarefa para corajosos. Dá trabalho ser sustentável. E sem dúvida essa é a tarefa para as empresas, que avançaram no expor conteúdos, conceitos. Para nós que falamos demais no tema. O desafio é sair do discurso e enfrentar a preguiça, o desafio para lucrar de outra forma, abrir mão do mundo confortável insustentável que inventamos nas últimas décadas e passar a ter o bom trabalho, aquele que é parceiro da natureza.     
Por isso não acredite quando uma pessoa ou uma empresa se declarar sustentável. Não perceba isso como uma culpa para você que só começou, ou pensa em começar. Não há sustentabilidade hoje. Existem pessoas e negócios que resolveram andar por essa nova estrada e com coragem. Temos um jeito de viver para reinventar. 

Texto publicado originalmente no site da Plurale e no Akatu.   

Preconceito




O que me inspira a falar hoje é a clara percepção de como é fácil deixar nossos pré conceitos a mostra. Como emergem com facilidade, evidenciando nossa história, nossas experiências, nossa identidade. Não necessariamente temos controle sobre isso, nossas heranças nos tapeiam e emergem. Elas ficaram em evidentes nesse momento do Brasil. Desse Brasil que nos acostumamos a pensar democrático, depois de tanto sofrimento com a ditadura, um grande continente unido pela mesma língua, pelas belezas naturais, pela música, artes num diverso território, do qual todos fazemos parte, apesar de nossas partes tão desiguais.

De repente, pobres e ricos viraram Nordeste e Sudeste se perceberam debaixo dos lençóis. Como se os do Sudeste não dançassem as músicas produzidas no Nordeste ou não se deliciassem com os resorts à beira de praias de águas uterinas de lá. Como se o sudeste de repente não se percebe produto do nordeste emigrante e protagonista que ajudou a construir a maior cidade do Brasil. Triste mergulhar em nossa consciência, perceber nossas heranças. Triste assistir a nossa baixa capacitação para o exercício da democracia. Já temos o grave problema do racismo entre outros que não nos dão nenhum destaque para a contemporaneidade. Onde guardamos tantos preconceitos? Não guardamos...eles, sutilmente estão soltos por aí, produzindo mortes, impedindo a paz e a justiça.

Não, não quero falar de eleições. Já foram muito faladas. Elas apenas são uma desculpa pra eu falar de comunicação interna nas nossas organizações. Se temos tantos preconceitos é razoável imaginarmos que ele não está presente na administração de nossas empresas? É razoável imaginar que os diretores fiquem distantes, sem conexão, com seus operários, ou mesmo de seus empregados administrativos da baixa hierarquia? Que possamos olhar nossos copeiras nos escritórios ou nossas empregadas domésticas como “diferentes”? É razoável imaginar que a frase que mais escuto nas pesquisas de offplan “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, não é um alerta dos tempos outros, da era pré tecnologia, onde o conhecimento ficava guardado?  Não estaríamos hoje vivendo um embate geracional, um embate entre os nascidos os nativos na tecnologia e os adaptados? Não haveria hoje, nas nossas empresas e na sociedade, uma ameaça a velha estrutura hierárquica, a nossa cultura de obediência frente ao convite à autonomia que os avanços tecnológicos nos oferecem?

Não tem mais “obedece”. Não tem mais “fico calado”. Entramos num tempo novo, o operário de turno tem faculdade, um soldador ganha mais dinheiro que muito graduado, os filhos das empregadas domésticas vão para as universidades e a confusão se estabelece. A parte que não conquistou nunca o poder escapou do “seu lugar.” E agora onde mesmo enxergo o meu lugar? A liderança seja econômica ou social intui, sentem que as coisas saíram do lugar. Nossa liderança precisa mudar?

 Carecemos de lideranças. A gestão do país e das empresas se encontra em crise. Velhos modelos de administração falham. A comunicação interna em qualquer organização, especialmente a direta, está em crise no Brasil. Normal pensar que ela desponte, já que está há anos na base da crise das empresas, das cidades, dos países.

Estamos sendo desafiados a olhar nossos pré-conceitos. Quando ouço a nova e velha Presidente do Brasil dizendo que a principal palavra do momento é diálogo, tenho vontade de convidá-la para o curso Experiência da Conversa. Não terá espaço à frente para aqueles que não se prepararem para o diálogo. Não adiantarão os pré-conceitos, o mundo está a nos exigir novos conceitos.

E por falar nisso, alguém ouviu algum dos dois candidatos do 2º turno falar em sustentabilidade? Falar em desenvolvimento humano? Ou ainda demonstrar por sua atitude algum novo paradigma? Seja social, ambiental ou econômico? Não. Ouvimos do mesmo, quando nada mais é o mesmo. Temos difíceis tempos pela frente.

Nesse fim de ano só posso desejar feliz lúcido tempo para uma nova comunicação! Feliz tempo para tomar consciência de nossos pré-conceitos, que só levam, a cada parte, a se achar dono da verdade. Má notícia. Não existem mais partes. Não existe mais verdade. Existe um  todo, que não enxergamos e muito, muito complexo!

Que possamos dar pequenos passos em direção ao sistêmico. Que possamos perceber que o conforto pode estar na mudança. Fico aqui cuidando dos meus pré-conceitos, muitas vezes com vergonha de como facilmente ele se manifesta, e torcendo para que esse seja mais um pedacinho do ponto de mutação.

 Texto publicado em março no site da ABERJE.