segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Por que as coisas são como são?


Tenho, nos últimos 15 anos, mergulhado na alma das organizações. São empresas grandes, multinacionais, públicas, pequenas ou organizações sociais. Graças ao modelo de pesquisa – Offplan – pude aprender muito, já que sentimentos verdadeiros dos que trabalham nas organizações emergem com facilidade. Nessas andanças ouvi até Eduardo Coutinho (ele trabalhou numa ONG), ele que ouvia e ouvia, construindo sua arte através das pessoas. 
 
Muito poucas pessoas têm interesse verdadeiro na escuta. Cada vez mais cada um de nós parece estar preso dentro de si, mesmo que nossos polegares passeiem pelos fabulosos instrumentos tecnológicos. As pessoas presas às máquinas estão distantes, falamos o que queremos, quando queremos, e só lemos com atenção seletiva as mensagens que circulam incessantemente. Só o fato de ter vontade de ouvir, de anotar, libera o que está às vezes mais escondido, até de nossa consciência. É fácil fechar meus olhos e me lembrar de frases, expressões, desenhos que deixam claro que a felicidade é rara, para a maioria, no mundo do trabalho. Já escrevi um artigo no passado onde me perguntava: Por que o trabalho tem que produzir dor? Na maioria das vezes essa dor não é consequência de baixos salários ou falta de benefícios. 
 
Na maioria das vezes essa dor é produzida por um modelo de gestão autoritário, na falta de comunicação interna transparente e na quase absoluta falta de comunicação face a face. O que impressiona é que nesses anos dourados do nosso século a maioria das empresas escreveu missão, visão e valores. A Responsabilidade Social, o meio ambiente, o conceito de stakeholders, a sustentabilidade passaram a fazer parte dos fazeres da empresa, multiplicaram-se os balanços sociais e depois relatórios, mais completos, como o Global Report Iniciative. Mas as organizações parecem sofrer de uma espécie de esquizofrenia. Fala-se, mas atuar de forma diferente, ainda caminha a lentos passos. 
 
A cultura autoritária e hierárquica de nosso País continua a influenciar a realidade. Temos baixíssima capacidade para uma liderança compartilhada e uma enorme dificuldade de aprender a ter uma visão sistêmica. Quando pensamos nos nossos municípios, nas organizações públicas em geral, nas relações dos moradores das cidades com seus dirigentes, essa falta de escuta mostra o quanto poucos escolhem como vivemos. 
 
Trabalhar para alcançar a sustentabilidade exige, acima de tudo, mudar nosso modelo mental. Somos um País onde a maioria fica distante do poder em qualquer instituição ou organização, um País extremamente desigual. Isso gera dor para a maioria. O autoritarismo e o medo combatem hoje a autonomia que a tecnologia nos traz. Crise. Uma profunda crise ética. Isso afeta por dentro as organizações, mas também as vendas, o pós venda, o marketing de todas elas. Uma sensação de viver um mundo de mentira, a desconexão entre o que se prega e como se age. Os americanos falam emwalk the talk
 
Isso virou o padrão normal da liderança, inclusive na política. Assistindo TV, os telejornais e os comerciais, fingimos acreditar no que sabemos ser diferente. Como vamos sair desse paradigma mental? Não existe ética sem escolhas e sem renúncia. A empresa, que quer de fato ser sustentável e oferecer felicidade a seus stakeholders, precisa respeitar a vida, de verdade. Lá estão os valores escritos, atrás dos cartões de visita, dos crachás, nos banners, publicados em maravilhosas peças criativas, sem falar nas peças publicitárias. Mas quando ouvimos os colaboradores, as comunidades, muitas vezes encontramos uma realidade muito diferente. 
 
Cada vez mais a comunicação ocupará um lugar desafiante, precisamos sair do velho modelo que nos impunha manter o silêncio na base e caminhar para transformar consciências em direção às novas atitudes: ouvir as bases. Inclusive nas cidades. A potência das organizações está nos seus relacionamentos, no compromisso com todos aqueles que fazem parte do negócio, mesmo que não tenha sequer uma ação da empresa na bolsa de valores. Podemos?