sábado, 23 de maio de 2015


TERCEIRIZADOS
Um tema só conversado em baixa voz nas empresas de “marca”

            Muita discussão sobre a terceirização. E não é de hoje que esse modelo, já como estava, é um desafio para os comunicadores e para os profissionais de RH.
            As empresas que mantêm terceirizados, não por coincidência, são aquelas que têm o maior número de empregados. Não por coincidência também, são as que maiores desafios operacionais enfrentam: segurança, saúde e impactos sócio ambientais.
            Os grandes projetos, na sua operação mais desafiadora e perigosa, contam com as empresas terceirizadas para sua realização. Nas operações paradas para limpeza ou revisão estão os terceirizados. Eu trabalhei nos últimos anos para essas empresas grandes e operacionais. Vivi de perto o desafio dos comunicadores internos na relação com esse empregado que é e não é da empresa que tem “marca”.
            As áreas administrativas tem também profissionais terceirizados, que se concentram na tecnologia ou também na comunicação. Mas a grande massa está em Belo Monte, esteve no Comperj, na Refinaria Abreu e Lima e em todas as obras do PAC.
            São profissionais que transitam pelo continente Brasil. Vão para onde tem oportunidade de trabalho, deixam viúvas em suas terras natais, criam novas famílias e favelas para onde vão. É normal que passando 6 meses, um ano numa nova localidade acabem pensando em ficar por ali, mesmo quando uma obra termina. São os terceirizados também que cuidam da luz, do gás, do telefone de nossas casas. O empregado “de marca” é o fiscal. Percebemos com facilidade que esse empregado é normalmente menos escolarizado, menos preparado para compreender onde está ou os procedimentos de segurança ou ambientais.   
Os empregados terceirizados não têm os salários, benefícios e os bônus dos empregados de “marca”. Em alguns sites operacionais comem em restaurantes diferentes. Em algumas empresas carregam o crachá com o nome da empresa/marca, mas de cor diferente. Em outras circulam pelos sites, têm funções de grande responsabilidade, mas usam crachá com nome da empresa terceirizada que na maioria das vezes não é uma “marca”. São empresas pouco conhecidas, não fazem propaganda na TV, não tem imagem ou reputação para a sociedade. Cansei de entrevistá-los e de perceber como ficam confusos, dizem o nome da empresa desconhecida e rapidamente completam, mas eu trabalho na Vale, na Petrobrás, ou onde quer que estejam servindo a uma “marca”. O sonho do terceirizado é ser contratado pela empresa de “marca”.
            Nos eventos que acontecem nos escritórios ou sites, os empregados terceirizados, vivem situações intimidadoras e sempre são uma dificuldade para o comunicador interno mais consciente. Recebem uma cesta de Natal inferior da suas empresas, mesmo que sentem ao lado, ou realizem as mesmas tarefas de um colega que carrega na sua carteira de trabalho uma marca. Não recebem os brindes que muitas vezes acompanham os eventos internos. No período de bônus, das PLRs PLs, ou como venham a se chamar, olham distante o benefício ao qual, na maioria das vezes, não tem acesso. O plano de saúde, o ticket refeição (para os da área administrativa) são inferiores aos da empresa mãe. Usam uniformes ou crachás diferentes. Nas empresas de moda, constantemente temos tido denúncias de terceirizados: bolivianos que trabalham em condições sub-humanas em SP, por exemplo. Todos os cuidados jurídicos são tomados para prevenir processos na justiça do trabalho.
            Devemos ter claro que os empregados terceirizados são os que morrem nos acidentes de trabalho no Brasil. São sempre os que realizam os trabalhos mais difíceis e perigosos. É um desafio para os gestores: como engajá-los, como controlar o turnover? São empregados de um projeto, não da empresa. Quando outra empresa ganha a licitação é normal que sejam levados também. Os terceirizados quase nunca são ouvidos. Só algumas poucas empresas investem em ouvi-los. Por que se o turnover é tão alto? Os empregados das terceirizadas muitas vezes não entendem a empresa, o projeto ou o porquê do trabalho. O personagem Charles Chaplin não está lá no filme, está aqui e agora.  Ele sabe as metas de produção diária, quantos caminhões tem que carregar, qual sua tarefa do dia. Quanto à segurança, o procedimento mais frequente é o Diálogo de Segurança, que na prática não passa de um monólogo do Supervisor que dá ou reforça procedimentos, regras, sem muito envolvimento. Alguns profissionais de comunicação interna que esbarrei pela vida percebem a situação e se dedicam em criar envolvimento com os empregados terceirizados, mas sempre com dificuldades.
            Terceirizado na operação é o empregado de turno. O empregado que trabalha de noite, dorme de dia, não vê quase sua família.  Muitas vezes me perguntei: seriam eles os escravos do século XXI?  Os cidadãos de segunda classe? Serão uma excelente solução por que resolvem os custos das operações para as empresas? Assim estamos gerando mais oportunidades de trabalho? São eles necessários para nossa economia? Devemos ampliar as possibilidades das empresas terceirizarem? Hum....
Vamos olhar a saúde. Temos muitas empresas terceirizadas operando a saúde. Estão categorizadas como OS – Organizações Sociais. Elas têm compromisso com a saúde pública? Mas os médicos concursados não interessam mais, são caros ao longo do tempo, incluindo benefícios e aposentadorias. Trocamos qualidade, engajamento e compromisso por custos menores para os Estados e Prefeituras. Cansei de ver jovens médicos nas residências de hospitais chorando, em crises existenciais. Eles se perguntam: por que eu fiz medicina? Médicos jovens e maduros vivem em crise nos hospitais públicos do país. Ceifar o sonho de jovens médicos que precisam procurar mortos em leitos hospitalares para transferir seus pacientes não parece um bom projeto. Escutei os jovens residentes em grandes hospitais no Rio de Janeiro, como escutei terceirizados de empresas, e eles sim parecem conhecer a verdadeira situação das instalações da empresa de “marca”. Ser comunicador interno nas organizações é desafiante.
Vivemos uma aventura monumental, para a qual eu pergunto: Onde está o humano nos nossos empreendimentos? A quem pensamos enganar? Como esperar que a ponte não caia, que a corrupção não exista, que haja compromisso num mundo de negócios que se escondem para ganhar sempre?  
E o que é mesmo ganhar?