terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Nossa insensibilidade

O noticiário do jornal ia correndo normalmente. Passava pelas notícias da crise, as vergonhosas situações do Congresso Brasileiro e, de repente, o locutor falou sobre o Quênia. Depois de várias descrições da situação no país eu ouvi:
“...No Quênia hoje temos 3 milhões de pessoas passando fome”. E continuou: “O Flamengo hoje...” Por um instante minha mente registrou o absurdo da nossa civilização. Estamos conformados com uma forma de viver e pensar que certamente não nos leva a conseguir as transformações necessárias. Notícias repetidas, em tom monocórdico, viram paisagem e não penetram na nossa consciência. É assim com a fome, a violência, o aquecimento global e tudo aquilo que possa nos tirar do pseudoconforto. Às vezes a realidade, que fingimos não ver ou escutar, bate na nossa cara. E aí, só aí, muitos começam a se dar conta de novas tarefas a realizar

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

R&A 10 anos

Quando começamos nunca imaginaríamos como seriam os nossos primeiros dez anos! Neste período, tudo aconteceu no mundo para que percebêssemos que a hora era para transformar. Essa certeza começou em 1988, quando saindo de uma agência multinacional, na qual eu era diretora de planejamento, percebi que eu deveria construir uma estrutura de comunicação própria, experimentar e seguir minha intuição dos desafios que começava a enxergar.

A Oficina fez 20 anos em dezembro de 2008. Hoje olhamos para trás e vemos as inúmeras dificuldades que eu, Antonio Jorge - que foi meu sócio por 12 anos e continua parceiro da R&A até hoje - e todos que passaram pela empresa enfrentaram. A crise virou uma constante em nossas vidas. Crises do Rio de Janeiro, como a ida de nossos clientes para São Paulo, crise da Rússia, crise disso e daquilo e essa equipe guerreira não parou, nunca deixou qualquer coisa abalar sua convicção de que precisava superar cada desafio porque tínhamos uma missão a cumprir no mundo da comunicação. Crescemos com parceiros, associados e clientes que acreditaram no nosso trabalho.

Brigamos muito com aqueles que insistiam, e ainda insistem, em manter modelos obsoletos, em não perceber o papel estratégico da comunicação integral, com visão sistêmica para a sociedade. Brigamos com os que não compreendem a responsabilidade de quem trabalha com comunicação, sejam jornalistas ou publicitários.

Às vezes nos sentimos sozinhos, pequenos, fracos. De repente surgia um novo guia que nos instruía, nos capacitava para enfrentar mais uma dificuldade e o profundo desânimo que às vezes nos contaminava. Mas seguimos. Sempre com um profundo compromisso ético e com valores fortes que atraíram para nós os melhores profissionais e os melhores clientes. Não só empresas, mas os Dons Quixotes que delas fazem parte. Aqueles que não têm medo de refletir sobre o que fazem dentro das empresas, onde é tão difícil mudar culturas, ir adiante. Procurar brechas e fazer acontecer um evento que fosse, que transformava mentes. Temos muito a agradecer a mestres queridos, que nem sabem como nos ajudaram como Marilyn Ferguson, Frijot Capra, Leonardo Boff, Ken Wilber, Willis Harman, David Bohn, David Cooperrider, Judy Rodgers, do IVE, Humberto Maturana, Peter Senge, entre milhares de outros que nos incentivaram a aprender a estudar, prática tão distante dos publicitários, e a criar nossas metodologias hoje reconhecidas por tantas empresas.

Temos que agradecer às ONGs, que conhecemos fazendo a programação visual da ECO 92, que nos surpreenderam desenvolvendo trabalhos por causas e nos fizeram voluntários de tantas delas e pelo aprendizado de como é profunda a mudança que temos que operar. Talvez o maior agradecimento seja ao Betinho com quem aprendi o significado do amor à humanidade, que me ensinou que não é piegas ser solidário, olhar sempre com doçura para toda e qualquer pessoa e que a fome, que afeta milhões de pessoas no mundo, é a prova de nossa absoluta aceitação da exclusão.

Temos que agradecer aos parceiros, são tantos que é impossível nominá-los, mas tenho um especial carinho por criativos que descobriram que abrir mão de uma boa piada ou trocadilho vale a pena para sermos responsáveis na comunicação. PUC e FGV permitiram nascer a palestrante, quando dei aula de publicidade e descobri que através da matéria podia dar aula de vida e de escolhas.

A R&A caminhará para seus próximos anos e, hoje, com a certeza de que sua força permanecerá como causa mesmo com novas lideranças. Você que está lendo esse Boomerang especial, receba nosso carinho e o nosso muito obrigada. Se você faz parte do nosso mailing, é porque você deu uma contribuição para nossa história. Seguiremos conscientes de que temos muito trabalho pela frente. Rápidas transformações precisam se operar como diz o slogan do Green Peace no Fórum Social Mundial de onde acabei de voltar: “É agora ou agora”.

Nádia Rebouças

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Curiosidade


Fórum Social Mundial. O que significa? Barack Obama listou os valores de seu governo tentando compartilhar significados com os americanos. Entre eles falou em curiosidade. Isso me chamou muito a atenção. Claro, nada melhor do que despertar a curiosidade de uma nação que se habituou a olhar para o próprio umbigo. Não conhece o mapa mundi e não tem idéia de outros povos com os quais compartilha o mesmo planeta.

A experiência de viver um Fórum Social Mundial é inesquecível. Foi um grande impacto para mim em Porto Alegre quando pude participar pela primeira vez. Não poderia deixar de participar neste ano que a Amazônia é o cenário para o encontro de mais de 100.000 pessoas de todo o mundo. Mas um Fórum não é só essa diversidade visual de cores, raças, gênero, idades, idiomas como você vê na grande mídia. Ela insiste em deixar a imagem de um evento exótico.

O que acontece aqui é muito mais. São as diferentes causas, as diferentes teses, os diferentes argumentos, os diferentes sofrimentos que se misturam com respeito. É a presença de parte da cidadania ativa do mundo que trabalha para melhorá-lo. Que clama por justiça e humanidade. São intelectuais, profissionais de ONGs, religiosos, estudantes, índios, quilombolas, comunidades que de uma forma ou outra estão organizados, formando redes, atuando por causas que lhes desperta a vontade dos voluntários.

Caso você realmente tenha curiosidade para saber o que aconteceu, a internet é a solução. A grande mídia, um pouco mais complacente este ano, vai te mostrar cenas folclóricas, pinceladas. Não há porque dar voz a participantes do mesmo planeta que desde o primeiro Fórum anunciavam o desastre de um modelo econômico que não leva em consideração a vida na Terra.

O desejo pela acumulação de poucos que passa por cima do meio ambiente e das populações menos favorecidas que sempre foi a maioria dos habitantes deste planeta. Neste século alguns governos começaram a ensaiar passos de mudança, empresas inventaram a responsabilidade social e muitos empregados começaram uma luta dentro das corporações para humanizar suas atuações, seja para os empregados, seja para as comunidades que normalmente enxergam como pertencendo ao “entorno”, isto é, elas são o “centro”.

Tudo isso foi pouco, muito pouco para a transformação que precisa se operar. Não se trata mais de pequenas mudanças ou ajustes. A exigência desse momento da humanidade é por uma mudança de nível de consciência, somos convocados a reinventar a sociedade: como vivemos, como compramos, como e o que produzimos, como distribuímos as riquezas, mais ainda o que é riqueza nesse novo mundo. Ninguém tem a resposta e por isso o Fórum Social se torna um movimento que põe o mundo em movimento.

Atrás dessas pessoas que estiveram lá, andando quilômetros pelas universidades de Belém, que assistem com espanto as chuvas com hora quase certa, se encantam com os peixes e as frutas, estão milhares de outras que receberão a influência desses agentes de transformação. As teses serão divulgadas, as redes se intensificarão e mais e mais mudanças serão estimuladas. Não há muito tempo, precisamos mudar tudo. Claro que começa pela nossa forma de pensar.

Informe-se vá para a internet, pesquise o que foi debatido no Fórum, deixe que as mangas de Belém caiam também nas suas cabeças para que um novo ciclo possa começar no mundo e possamos ainda salvar algo. Curiosidade. Lembra? Por que tantas pessoas se reúnem para pensar nos inúmeros temas? (veja programação no site http://www.forumsocialmundial.org.br/

Cada um de nós só tem uma escolha hoje: viver de ouvidos e olhos vendados ou ouvir e sair falando para transformar.