quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Plurale completou 6 anos e eu me lembrei do texto que escrevi o ano passado. Compartilho.

Comunicação e seu papel estratégico para transformação.

Cinco anos de Plurale! Cinco anos de comprometimento com uma comunicação que dê significado e significância ao que precisamos fazer: transformar nosso mundo.  A comunicação tem uma importância fundamental para nos equipar a fazer diferente, em todos nossos ambientes. Como podemos fazer isso sem ter informação? Sem saber que estamos perigosamente atingindo os limites de nosso planeta?
 Esse mês passado, por duas ocasiões, refleti sobre o tema: A comunicação pode mudar o mundo? A primeira foi com os estudantes de comunicação da UNISC em Santa Cruz do Sul, estado do Rio Grande do Sul.  Escolheram esse tema para a Semana de Comunicação. Voei para lá, porque só a escolha do tema é uma prova de que essa nova geração de comunicadores anda pensando diferente. A outra oportunidade foi no NEF – Núcleo de Estudos do Futuro – da PUC São Paulo. Lá estavam reunidos aqueles que estão comprometidos com o futuro da humanidade. 
Duas oportunidades para refletir sobre nosso papel como comunicador. Em homenagem à Plurale desenvolvo o roteiro dessas conversas. Comecei dividindo com esses públicos, tão diversos, que a comunicação sempre mudou o mundo, desde quando ela era apenas lida, num pergaminho, nas praças dos embriões das cidades medievais, pelos enviados dos poderosos. Mas não fui para tão longe na linha da história, preferi refletir sobre o que vivi, nas décadas em que fui publicitária, vendo o mundo mudar, para o que temos certeza que tem que mudar hoje. A década de 60 começou a trazer as diferenças. Mulheres, negros, homossexuais. Na mini série Gabriela podemos ouvir um homem falar para sua mulher: se arrume que hoje eu vou lhe usar! Ou na novela das 18hs observar a perseguição ao negro recém liberto e que mantêm nosso sutil racismo até hoje.
Comecei a trabalhar em publicidade na década de 70. Do lado da minha casa ainda havia quitanda, açougue e padaria. Nesse comércio girava a economia do bairro. Éramos chamados pelo nome e tínhamos uma caderneta que anotava o que gastávamos. Já tínhamos shoppings, mas iniciantes. Lugares meio estranhos. Nasciam os supermercados e me lembro do meu espanto lendo o primeiro manual da Johnson& Johnson ou Unilever, não me lembro bem, sobre merchandising nos supermercados. Percebi que nada, mas nada mesmo, era feito sem reflexão estratégica para nos tornar consumidores. Começaram a nascer ali os consumidores que conhecemos hoje, que agem como autômatos comprando e comprando.
O Brasil dava primeiros passos para sair da ditadura que infernizou a juventude de minha geração. Para os jovens fica difícil imaginar o tipo de juventude que tivemos, sem internet, mas pior, sem poder comprar livros, assistir determinados filmes e preocupados em cuidar dos encontros com amigos porque podiam ser interpretados como subversivos.  O governo militar fazia sua primeira estratégia de comunicação, apelando para nosso orgulho de ser brasileiro, inventando um milagre econômico e convocando: Pra frente Brasil! Ame-o ou deixe-o. O Brasil ganhou pela terceira vez a Copa do Mundo confirmando nossos milagres econômicos. Os porões da ditadura tinham minutos de paz nas torturas, para comemorar os gols desse Brasil grande!
 A indústria se expandia, a publicidade se profissionalizava com metodologias e processos trazido pelas multinacionais. Aprendia-se a fazer planejamento de comunicação, muita pesquisa e a medir, pela primeira vez, a audiência dos programas de televisão – o GRI. Tudo voltado para criarmos um mercado de consumo interno, uma classe média. Os publicitários, odiando a censura que invadia os meios de comunicação, lançaram o CONAR. Liberdade à publicidade! Muitos mercados a construir! Mercado para os descartáveis, tipo Perfex que as brasileiras não entendiam: se camisas velhas e pedaços de toalha conseguem ser tão úteis, para que comprar um paninho furadinho? Mas o mundo “do jogar fora” começou sua trajetória, mudando nossos hábitos. Fui para Brasília, com meu chefe, pedir autorização para veicular o primeiro comercial de Modess, só existia ele no Brasil. Autorizaram a veiculação, contanto que a moça usasse calça comprida vermelha. Nunca entendi porque não podia ser branca, mas a censura sempre tinha razões que a razão desconhecia.
 Modernização da agricultura.  Supermercados. Shopping Centers.  Marketing. Consumo e crescimento da economia.  A grande massa subiu um degrau na escala e uma minoria subiu vários degraus. O nordeste já era seco e cheio de fome! Formou-se uma classe média com possibilidades de financiar educação para seus filhos e gerar demanda significativa de produtos e serviços. Veio a anistia, depois de muito terror, e a abertura lenta e gradual. Assim chegamos aos anos 80 que revelaram a grande farsa. O milagre virou pesadelo e os Danones e gelatinas prontas estragavam nas gôndolas do supermercado.  Os dados Nielsen da época anunciavam queda no consumo de macarrão! Acentuou-se a corrupção. Sindicatos se organizaram em greves e manifestações.  A economia não conseguiu apresentar índices de crescimento. A classe média foi à principal vítima. Perdeu o poder de compra. Tirou o filho da escola particular e não sonhou mais com o segundo carro. Só muito mais recentemente o IPI reduzido multiplicou o sonho do carro.
A propaganda e o marketing viveram anos de muita agitação oscilando entre grande pessimismo e euforia intensa.  A figura da mulher ganhava força nos anúncios e muitas vezes com apelos eróticos, como símbolo do feminismo, foram mudando os padrões de comportamento social. Tudo isso fica mais evidente olhando os anúncios da época. Você pode entrar no Google e fazer esse exercício de reflexão pelas décadas. Vai sentir que foi com a comunicação que se mudou o mundo. As empresas desenvolvem produtos e serviços, mas é a comunicação, no seu mais amplo aproveitamento, que cria mercados. Essa década foi chamada por alguns de década perdida, mas na prática ela lançou as bases da sociedade de consumo que somos hoje. Trouxe os novos comportamentos sociais também e até a gravidez na adolescência.
A década de 90 chega com esperanças. A ditadura estava longe e podíamos imaginar um novo mundo. Cai o muro de Berlim. Foi a primeira vez depois de 47 anos que os brasileiros puderam votar num presidente. Elegemos Collor e nos unimos para tirá-lo do poder. Aconteceu a ECO 92, Conferência mundial do meio-ambiente no Rio de Janeiro. Começou aí tudo que se desdobrou em comportamentos de compra diferentes: o natural, menos carne, a roupa indiana virando moda para elite, o começo da consciência de maior número de pessoas de que o planeta poderia ter limite. As ONGs alemãs traziam o conceito dos “verdes”. Palavras novas surgiram como ecossistema, biodiversidade.
O sociólogo Betinho mobilizou toda a nação com a sua “Ação da Cidadania contra a miséria e pela vida”. Havia fome no Brasil, não adiantava a elite fingir não enxergar. Como crescer o país com tanta desigualdade?
Maior consciência ecológica foi o ganho da década. Cresceu o trabalho de ONGS para proteção do meio-ambiente, reciclagem de materiais, além da preocupação com a exclusão. Surge uma segunda geração de ONGs no Brasil e aos poucos o conceito de empresas cidadãs.  A comunicação foi mudando consciências. A sociedade foi ficando mais tolerante para opções de conduta pessoal, prática de sexo, namoro e casamentos. Vida cultural se ampliou, os filmes e livros chegavam. A abertura de mercado, do livre trânsito de idéias e produtos culturais e começou a estonteante rapidez dos meios de comunicação.
A chegada dos anos 2000 era uma esperança, uma nova era. Nos negócios a nova era tinha muita pressa. Muitas demissões, privatizações já haviam acontecido na última metade dos anos 90. O Computador nos invadiu para bem e para o mal. Gestão ganhou força nas empresas e responsabilidade social virou obrigação, bem como mais tarde chegou a hora de incorporar sustentabilidade. Todas as novidades, que ganham força no tecido social, passam a ser incorporadas pelo sistema de mercado e de alguma forma tem seu “significado” controlado. Na prática só dá para entender isso quando entendemos de “marketing” e comunicação é claro! É ela que fala das essências das marcas, que cria a necessidade de consumir determinados produtos, que nos lidera para a ditadura do TER.
Mas a civilização não pára e forças atuam em conflito no tecido de alta complexidade da civilização atual. A globalização, a percepção do triple botton line, o conceito de stakeholders, começam a entrar nas grandes organizações. A internet, outra vez a comunicação, obriga os governos e as corporações a refletir e mudar as estratégias de ação. Comunicação do século XXL? Está tudo em transformação. É a época “do sem tempo”, tudo é fast. Para as mulheres a época do “corra Lola, corra”. Ninguém sabe muito bem porque corremos tanto! Queremos crescer, o máximo e o mais rápido possível. Mas nas rádios corredor e nos consultórios dos psicólogos todo mundo chora uma vida perdida, mesmo aqueles que não viveram outras épocas. Com a globalização os mercados continuam a crescer, mas a que preço? Crescem menos, nesse tão falado 2012. Quem se uniu, quer se separar. A falta da visão sistêmica leva cada país defender o seu. As grandes corporações, que não tem território, estão correndo por fora, construindo uma rede de controle global.  Crise econômica? Crise ética? De percepção?
A consciência de uma mobilização global pela vida cresce em número de adeptos, mas a transformação é lenta. Novas mídias se apresentam e o mercado de comunicação enfrenta muitos desafios para se adaptar.  As redes sociais obrigam as empresas a levá-las em conta! Mudança de paradigmas. Multidisciplinaridade, diversidade e pouca previsibilidade do futuro. As economias locais, que foram desaparecendo desde a década de 70, fazem todos nós consumidores do mundo. Mas surgem moedas locais e o interesse para mudar a fórmula do PIB. 2012 nos mostra que tudo é “líquido”. (conceito de Zigmun Baumam).
A consciência que estamos afetando de maneira irreversível nosso planeta, que precisamos modificar nossos modelos de gestão e nossos padrões de consumo, de produtos e serviços, se apresenta como uma questão vital para o futuro.  Também como nos diz Baumam: HIPOTECAMOS NOSSO FUTURO. O limite de nossa arrogância está no limite da terra. “A principal pergunta hoje não é o que fazer, mas quem vai fazer!” (Zygmunt Bauman)
 Não pode existir empresa bem sucedida e sustentável numa civilização que mantêm parte da sociedade na “idade média” e onde não existe o “palco”, a terra para atuar.  Uma empresa só é dona da sua imagem, mas perdeu o controle de sua reputação! Como nos fala Manuels Castells: a mistura da ocupação das praças com as redes sociais é nova, não sabemos o que vai gerar, mas assistimos a essas mudanças. A juventude está diferente das duas décadas anteriores.
Visão sistêmica começa a mudar crenças, estilo de vida, valores. Poderemos escolher? Podemos mudar?  A diversidade é um fato, os refugiados e emigrantes, que estão por toda parte, nos mostram nossa dificuldade de convivência e conversa com o diferente. O que fazer com a noção de estado, nação e território num mundo de corporações transversais? O que fazer num mundo que incorpora o conceito de sustentabilidade, sem percebê-lo sistêmico e que continua falando em crescer, crescer com o maior lucro possível para os acionistas? Será que a economia não tem que se transformar perguntando por que existe? Não seria adequado pensarmos que ela existe para fazer fluir a felicidade das pessoas e cuidar do meio ambiente? Imaginemos uma utopia: todos os economistas acordariam encontrando um novo sentido para seu trabalho: cuidar das pessoas e do planeta. Daríamos uma virada na espiral do desenvolvimento humano.
Voltemos à pergunta? A comunicação pode mudar o mundo? Pode, porque sempre mudou. O desafio agora é se queremos usar a comunicação para mudar o mundo ou para manter nosso desatino. Se vamos ter novas tecnologias para nos salvar, mas especialmente novas lideranças nos governos, nas empresas, na academia, nas comunidades que possam estar criando o novo mundo para que nós profissionais de comunicação possamos anunciar, vender! Enquanto esses novos produtos e serviços de uma sociedade que escolhe só SER não chegam, vamos apostar na vanguarda que sai protegendo árvores, animais, seres humanos excluídos, que faz feira de desapego, que troca presentes, que não quer propaganda para nossas crianças, que medita que anda de bicicleta, recicla seu lixo e planta uma hortinha ou ocupa praças, ou seja, aqueles que são capazes de sonhar. As mudanças sempre começaram pela mão de alguns, não é Plurale?

Vamos investir na educomunicação, diálogo e empatia certos de que, ao longo da história, não somos tão diferentes assim. Buscamos o atendimento às nossas necessidades básicas, carinho, respeito, liberdade e paz. 

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