segunda-feira, 27 de julho de 2015

Quando o modismo e a propaganda substituem o arroz com feijão.


Quando o modismo e a propaganda substituem o arroz com fe

                                                                                    Mulher, você vai gostar:
                                                                                    Tô levando uns amigos pra conversar.
                                                                                    Eles vão com uma fome.
                                                                                    Que nem me contem.
                                                                                    Eles vão com uma sede de anteontem.
                                                                                    Salta a cerveja estupidamente
                                                                                    Gelada pr'um batalhão.
                                                                                    E vamos botar água no feijão.

                                                                                                                Chico Buarque

  Não é frequente conversar sobre modismo e cultura associados ao tema da alimentação, como o momento atual parece exigir. O nosso querido feijão com arroz, tão cantado nas nossas músicas, por Chico Buarque, Jorginho do Império ou Simone, vem sumindo das mesas e ficando para a história. Aliás, esse par de tão boa combinação de sabores e saúde, é parte integrante do “somos brasileiros”. Frequentemente, os viajantes daqui lembram desse par romântico e harmonioso falando da saudades do Brasil!

Mas, o que vem acontecendo com o casal?  Vem sendo atacado pelo tempo. Arroz e feijão é símbolo do comer no encontro, dividindo a mesa, a conversa, seja no dia a dia, seja nas especiais feijoadas. Mas, o tempo desapareceu. Ele some no trânsito, indo do trabalho à escola ou nos dois empregos. Caso surgisse um comércio que vendesse tempo, o sucesso seria imenso. As famílias quase nunca se reúnem!  Vivemos no tempo do relógio. Comer não é mais um ato consciente, que reúne elementos aromáticos e de paladar. Vem desaparecendo a alquimia do preparar o alimento, a convivência e a oferenda. A comida está nos pacotes, nos plásticos, nas latas. Come-se andando, de pé, um de cada vez, com o celular ativo, para que o senhor tempo continue a reinar. Conveniência. É a cultura do novo viver.

Os fabricantes de alimentos conhecem essas novas tendências e investem em novos produtos “práticos”. E assim surge o sanduíche de biscoito: Club Social, para matar a fome! Com imagens saborosas na TV e nas outras mídias, consolidam novos hábitos, garantem novos sabores, quase sempre com excessos, de sal ou açúcar. Não há propaganda de produtos naturais. Talvez, as folhas dos hamburguês e as frutas dos sucos, carregados de química, mas que nos comerciais são resultado de pomares invejáveis, que a maioria de nossos jovens nunca viu! Nossas crianças mal conhecem os alimentos. Em recente pesquisas com jovens (15 À 20 anos), no Rio de Janeiro, um estudo que está sendo realizado pela UERJ, UFRJ e UNIRIO para o MDS ouvimos:

“Pensamos na pressa. Porque a gente tem muito trânsito, muita correria na vida. Eu trabalho em

telemarketing e só tenho 10 minutos para comer. Eu tenho que comer rápido. Não dá para degustar e

nem comer comida saudável.” (feminino)

 

“A mídia é o maior vínculo de comunicação porque é totalmente influente. A maioria dos comerciais

são sobre comidas industrializadas, mostram sempre os ‘Doritos’ e ‘Cheetos’. Faltam comerciais

mostrando alimentos saudáveis e isso é muito prejudicial. A mídia se relaciona com a pressa, com sabor,

não com educação alimentar.” (masculino)

 

Enquanto a cultura do “matar a fome” ganha adeptos, sobram as consequências.  A alimentação que está na moda contribui para onze milhões de mortes por ano, mais que a provocada pelo tabaco e a obesidade custa à economia mundial cerca de 2000 bilhões de dólares por ano”. * Mas, a resistência existe, mesmo com os altos investimentos numa alimentação sem vida. Uma nova geração de mães, com forte atuação nas redes sociais, luta! Recentemente Bela Gil, foi massacrada por mostrar a lancheira da filha com produtos naturais. As novas modas incluem forte crescimento dos veganos, dos adeptos do slow food, do desejo de uma vida mais natural. Uma luta entre matar a fome e se alimentar.  

 

Um enorme esforço sistêmico, de conversas com vários públicos de influência, poderá

estruturar uma comunicação que salve nosso arroz com feijão e todos os valores que ele

carrega. Senão, ele viverá só na nossa música popular. Deixará saudade de um tempo

que nos alimentávamos e não só comíamos! Vamos botar água no feijão!

 * Texto que deu origem a uma palestra na URGS - Seminário sobre Nutrição - POA junho 2015

*Dados da pesquisa da Consumers International (CI) - a principal federação internacional de organizações de consumidores.


 

 

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