quinta-feira, 2 de outubro de 2014


Frutos da semeadura

 Simbólico um livro sobre a Ação da Cidadania, que completa 20 anos, quando o Brasil discute sua democracia. Betinho falava da cidadania como ondas do mar, quando ausentes estão ganhando força e energia, para se transformar em novas ondas. Essa é a história contatada no livro desses 20 anos de luta pela conquista de direitos, que começou pelo essencial: direito à alimentação. O livro começa em 1964. Fala da volta de Betinho ao Brasil, da Constituinte, das Diretas Já, do lançamento da Ação da Cidadania no governo Itamar Franco, que pela primeira e única vez ofereceu o horário exclusivo do governo brasileiro na TV para que Betinho e Dom Mauro Morelli lançassem o movimento em Rede Nacional.

O movimento despertou milhares de voluntários que se organizaram em comitês. A pergunta era: qual é seu comitê? Eu coordenei o comitê de publicitários e no livro estão os anúncios, os filmes criados e produzidos, de forma voluntária e veiculados pela TV Globo e demais emissoras, editoras. Mais de 30 spots foram ao ar durante os seis anos. O livro fala da nova liderança de Maurício de Andrade, após a morte de Betinho em 1997, do foco do trabalho: o Natal sem Fome. Os resultados estão no número de voluntários que atuam em todo o Brasil, no trabalho de ONGs, muitas que nasceram naquele período, na política pública que praticamente venceu a fome no Brasil. O livro mostra imagens desses cidadãos, numa direção de arte primorosa de Jair de Souza.

 

No lançamento da campanha, em 1993, Betinho disse: “Essa é uma campanha que quer sim mudar o rumo do Brasil. Não o Brasil para uma minoria, mas para todos!” Nem ele, nem Maurício Andrade teriam dificuldades para entender os jovens ou a tecnologia, redes de convivência e articulação. Betinho voltou do exílio com Carlos Afonso lançou o Alternex, o primeiro provedor à Internet do Brasil. Betinho costumava dizer “que governo só anda quando empurrado”. Seu partido eram os cidadãos livres, fazendo “sua parte”. Acreditava na capacidade autônoma dos indivíduos, na força maior que coloca jovens, como ele foi um dia, a serviço de criar um mundo melhor.

Hoje a equipe da Ação da Cidadania atua nacionalmente a partir de um armazém que carrega a história do Rio de Janeiro. Mais de 200 comitês ativos. A necessidade de apontar para o futuro, curiosamente coloca juntos Daniel de Souza, filho de Betinho e Rodrigo Afonso, o Kiko, filho de Carlos Afonso, um dos fundadores do Ibase junto com Betinho e Marcos Arruda. Estão construindo com empresas parceiras programas de inclusão digital, buscando diminuir o fosso que divide os mais ricos dos mais pobres. A rede de solidariedade focará agora na exclusão de direitos, a desigualdade social.

A Ação da Cidadania foi uma experiência da democracia, uma expressão da diversidade da sociedade, trouxe cidadãos e cidadãs para a arena política, com voz, poder e participação. Inspiradora, trouxe mudanças fundamentais para pessoas, para o governo e para as empresas, que foram convidadas pela primeira vez a agir. Introduziu a solidariedade estimulando conquista de direitos. Inovadora, despertou o engajamento da cultura e dos profissionais de comunicação.

Na Ação da Cidadania todos viram mestres. Não há autoridade, há um chamado, uma convocação para a ação. Lendo o depoimento dos participantes dos comitês, fica claro que o convite de Betinho foi para uma ação coletiva, apaixonada, volátil e viva, que educa e desenvolve a autoestima.

... Ação da Cidadania, criando comitês, comitês autônomos, independentes, suprapartidários, criativos, concretos. Que sejam capazes de identificar os problemas, propor soluções e serem capazes de trabalhar sem esperar nada, sem esperar ordens, sem esperar verticalismo, burocracia, centralização. (...), se o Brasil for capaz de criar milhares desses comitês em todas as cidades, o Brasil vai mudar de rumo. O Brasil vai ser outro.” (Betinho)

Foi uma nova forma de criar lideranças, mudar modelos mentais, abandonar velhos preconceitos. Educar para a cidadania é educar para consciência, que nos habilite a enfrentar os desafios econômicos, ambientais e sociais. Betinho, o animador da Ação da Cidadania, está entre nós, quando escolhemos empurrar o mundo na direção de mais direitos e menos injustiças.  

Quem sabe essa história, agora registrada em livro, não é mais um voar do beija flor que conquistará aprendizes na semeadura de mais e mais cidadania?

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